sexta-feira, 30 de abril de 2010

Há um ano...

Hoja faz um ano que tive alta do hospital, depois do acidente.  Ao acordar, não me lembrava.  Só me dei conta quando liguei a TV para assistir ao noticiário, se é que se pode chamar de noticiário o que uma grande empresa de telecomunicações faz com seu público: informa apenas o que lhe convém, em detrimento do bom jornalismo.  É revoltante.  Ainda bem que o povo não é bobo.  Mas não é disso que quero falar.

Quero falar da emoção que senti ao chegar em casa naquele dia, que estava tão nublado e triste como hoje, mas para mim era como se o sol estivesse a brilhar no céu.  Fui transportada em maca do quarto onde estava internada até a ambulância.  No caminho, me despedi do pessoal da enfermagem que me tratou com tanto carinho.  Em pouquíssimo tempo, cheguei à portaria do prédio onde moro.  A ambulância estacionou do lado de fora.  Abriram a porta e tiraram a maca onde eu estava.  Da maca, me transferiram para uma cadeira de rodas.

Quem nunca ficou deitado muito tempo não imagina o que é se sentar pela primeira vez.  Dá um pouco de tonteira no início, o pescoço não gira normalmenta na cabeça e a gente fica meio parecido a um robô, mas é incrível a emoção de ver o mundo, as pessoas e tudo ao redor a partir de outra perspectiva. 

Entrei no elevador e minha cunhada atendeu a porta.  Ela havia chegado mais cedo para arrumar a casa e fazer um almoço de recepção para mim.  Na saída do elevador, já se podia sentir o cheiro gostoso da comida que ela estava preparando.  Ao entrar em casa, uma equipe de enfermagem me aguardava para as primeiras instruções.  A partir daquele momento eu não estaria apenas deitada.  Iria usar a cadeira de rodas para me locomover.

Era como se recebesse uma carta de alforria.  Ia sair da prisão do leito para uma cadeira de rodas.  Para muitos, isso pode parecer apenas uma extensão da tragédia.  Para mim, era um novo ciclo de vida que se iniciava.  Eu ia superar tudo e, em muito breve, iria dar meus primeiros passos. 

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Tristeza

Hoje acordei "desinspirada".  A banda larga andou instável e demorou a estabilizar.  Enquanto isso acontecia, fiquei pensando no que poderia escrever.  Se ontem falei da energia positiva, da importância de cultivar os bons sentimentos, não queria dizer que hoje meus pensamentos estão sombrios e que estou triste.  Mas essa é a verdade.

A minha tristeza é principalmente devida a estar longe das minhas meninas, mas há outros componentes: a angústia e a incerteza do futuro.  Sei por experiência própria que a vida pode acabar num segundo e gosto de lembrar do salmo atribuído ao Rei David, que começa assim: "O Senhor é meu pastor, nada me faltará."  Mas tem dia que nenhuma lógica, nenhuma prece afasta a melancolia e nos consola.  

Se na noite de terça-feira não dormi bem, a noite passada dormi pior ainda.  Há duas noites não durmo bem.  Preocupações, ansiedade e angústia me dominam.  O pior de tudo é o medo.  Medo de não conseguir fazer o que tenho de fazer - e é muito o que tenho pela frente.  Medo do desconhecido, medo do fracasso.

É nessas horas que nos sentimos pequenos e indefesos.  Tudo o que temos é a fé e só ela pode nos salvar dos momentos de escuridão. "Meu Deus, ajudai-me a ter ânimo e vontade de seguir adiante.  Meu Deus, faça com que eu volte a ter alegria e bons pensamentos."

É tudo o que espero para o dia que está se iniciando.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

The Amazing Race

Tenho visto episódios antigos dessa série de reality shows que considero a melhor surgida até agora na TV.  Em The Amazing Race, onze duplas, que podem ser formadas por parentes, casais e amigos de distintas raças, credos e orientações sexuais fazem uma corrida ao redor do mundo, enfrentando tarefas que requerem força muscular para escalar, por exemplo, um trecho da Grande Muralha da China, estômago forte para comer alimentos considerados delicacies em certas culturas, como olho de peixe e gafanhoto frito, e muita inteligência para montar estratégias vencedoras que os levarão ao prêmio máximo de 1 milhão de dólares.

Uma corrida pressupõe estresse e é interessante observar o efeito que ele tem sobre as pessoas.  Até casais considerados zens acabam brigando.  Amizades sofrem abalos e namoros podem até terminar.  Por outro lado, o estresse também une as pessoas.  Passado o desabafo, o momento de tensão, eles voltam a se entender e iniciam um novo ciclo de relacionamento.  O programa acompanha passo a passo cada conflito e cada decisao certa ou errada dos participantes.

Depois de ver muitos episódios da série fiquei pensando o que fazia com que uma dupla, entre aquelas onze, se tornasse a vencedora.  O espírito de equipe é sem dúvida muito valioso e foi minha primeira opção.  A motivação, a força e a determinação também contam muito.  Mas qual é o fator decisivo para a vitória?  Depois de refletir, me parece agora que a boa energia é fundamental.  As duplas que não brigam, que mantêm sempre uma atitude positiva, que são alegres e entusiasmadas, que se preocupam mais em viver aquele momento e dar o melhor de si são as mais propensas a ganhar.  As duplas cujo foco é apenas a vitória conseguem ganhar prêmios em até mais de um pit stop, mas raramente ganham o prêmio máximo.  Boa energia é, portanto, a mina de ouro.

Não é só em The Amazing Race que venho observando a importância da boa energia nas nossas vidas. Já tive muitas experiências próprias em que pude constatar como o bom humor, a alegria, a positividade e os bons sentimentos contribuem para o nosso bem-estar e nossas conquistas na vida.  Um pouco antes do acidente, eu andava triste e com uma energia muito ruim.  Não digo que o acidente ocorreu por causa disso, mas eu deveria ter feito as mudanças que precisavam ser feitas naquela ocasião, para ser feliz, para afastar de mim o humor sobrio.  Percebo isso agora e vejo que é hora de mudar.  Positivamente.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Ouvindo a voz interior - final

Nota: Hoje vou à igreja de Santo Expedito para agradecer as várias graças que tenho recebido Dele. Muito obrigada, Santo Expedito.

Aos poucos, sinto que já não preciso mais falar do acidente, como antes, e isso significa menos sofrimento e dor. Sim, é visível o meu restabelecimento. Caminho com mais naturalidade e disposição. Antes, o simples fato de ter de ir à rua me angustiava.

Na sexta-feira, saí com uma querida amiga e revisitei, não intencionalmente, os lugares onde estive no dia em que me acidentei. O roteiro original que tínhamos combinado era diferente, e foi minha amiga quem o alterou em cima da hora. Acabei indo ao mesmo shopping, e passei pelos mesmos andares. Não posso negar que aquele trajeto foi me deixando, aos poucos, muito angustiada, com pressa de ir embora para casa – a mesma sensação do dia do acidente.

Minha cunhada se aborreceu porque eu disse, no primeiro post, que voltáramos ao shopping para fazer compras. Na verdade, voltamos porque ela estava em busca de um banco eletrônico. Na sexta-feira, sem saber, minha amiga também precisou ir ao mesmo banco eletrônico.

Ao sair do shopping, tomamos um táxi e eu revi o local exato do acidente. Esse trajeto também não foi intencional, mas uma voz interior me avisava que eu ia passar por aquele momento.  Estava mesmo na hora de passar por ali. Eu precisava vencer mais essa etapa.

Passar pelo local do acidente foi, afinal, bem mais fácil do que imaginava. Mas alegria mesmo senti quando cheguei em casa. “Obrigada, meu Deus, por estar viva.”

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Ouvindo a voz interior - parte 3

Nota: Nunca uso cor para falar do acidente. A exceção foi na parte 1 de “Ouvindo a voz interior” e eu o fiz para homenagear a foto belísissima do Universo, tirada pelo telescópio Hubble.

Antes mesmo de terminar os sete dias de tratamento, eu já me sentia melhor. Era incrível. Fui à rua e senti mais firmeza no caminhar. Ainda me pesavam os quadris, mas esse incômodo seria corrigido com alongamentos. Faltavam ainda muitas etapas a vencer. Era preciso calma. O passo mais importante eu acabara de dar, graças à minha intuição, graças a ter ouvido a minha voz interior.

Estava morando sozinha e era vital poder ir à rua sem sentir a dor que quase me fazia chorar e querer desistir no meio do caminho. Era uma dor torturante, que me fazia parar no meio do caminho e ter de esperar que ela passasse. A filha do meio sabe do que estou falando. Aquela dor quase conseguia me tirar o prazer de viver e não passara totalmente, mas eu já me sentia melhor. Ainda precisava dos analgésicos, mas muito menos que antes. “Meu Deus, muito obrigada por mais este milagre”.

Antes do acidente, eu gozava de uma saúde estupenda. Fazia exercícios físicos diariamente, inclusive aos sábados. Meus movimentos eram livres e eu sentia a alegria de viver das pessoas saudáveis. Com o acidente, tudo mudou, a começar pelo meu humor. Eu me irritava com muita facilidade e chorava frequentemente. Ainda me irrito, mas o choro, antes transbordante, está agora mais contido, quase normal. Sim, o trauma está passando. Dentro em breve vou poder ter uma vida normal. E é essa certeza que me faz seguir adiante.

domingo, 25 de abril de 2010

Ouvindo a voz interior - parte 2

Terminada a ultrassonografia, fui à farmácia. O farmacêutico não quis receitar remédio algum,quando lhe contei o meu problema. (E chorei, por ter de contar o que eu queria tanto esquecer. Mas era preciso.) Também ele alegava questões éticas.  Senti um desânimo profundo.  Era tudo tão difícil

Fiquei pensando em como poderia contornar aquela situação e me veio uma idéia. Perguntei se ele achava que um antibiótico à base de sulfa poderia fazer bem, no meu caso. Ele concordou. Em seguida, quis saber se tal remédio era perigoso. Nao, não era. Daí foi só falar com o vendedor e pedir a medicação.

Fui para casa e logo tomei o remédio. O tratamento duraria sete dias. Eu mal podia esperar o resultado. Sentia intimamente que estava no caminho certo. Como os médicos não se davam conta disso? Por que não ouviam seus pacientes? Receitavam remédios inócuos, caríssimos, de efeitos duvidosos. Eles não se importavam. Uns poucos, sim, como a dra. Cristina, mas também ela não se animava a me receitar mais antibióticos, depois de tantos que eu havia tomado.

À medida que o tempo passava, me sentia cada vez melhor. Andar não era tão frustrante e doloroso. Sentia-me mais leve. Em breve, saberia o resutado. Em breve, iria saber se fizera bem em ouvir a voz interior.

sábado, 24 de abril de 2010

Ouvindo a voz interior - parte 1

Inventei rotinas diárias que me mantinham ocupada. Ao acordar, permanecia deitada e fazia exercícios para os braços, pernas e pelve. Minha uretra fora seccionada durante o acidente e, por isso, perdi o controle do esfíncter. Os médicos receitavam exames invasivos e eu me recusava a fazê-los. Ouvia a minha voz interior que me pedia para ter calma e paciência. Aquilo também ia passar. Com o tempo tudo ia se curar.

Um dia, ao fazer o exame de ultrassonografia transvaginal, perguntei à médica se estava certa em me recusar a fazer os exames invasivos e, para minha surpresa, ela me deu razão. Disse que minha uretra ainda estava muito sensivel e eu deveria esperar.  Talvez nem precisasse fazer nenhum daqueles exames.  Animada com a receptividade da medica, fiz-lhe outra pergunta que me rondava a cabeça. Eu sentia muitas dores na região pélvica, quando caminhava, e achava que deveria tomar um antibiótico à base de sulfa. Mais surpresa ainda fiquei quando ela concordou comigo. Por ética médica, ela não pode me dar uma receita, mas me disse que eu poderia conversar com um farmacêutico.

Lembrei-me da Susan Sonntag em seu livro “A Doença como Metáfora”, que felizmente li nos tempos de faculdade e agora vinha em meu socorro. Sonntag tivera câncer nos anos 80 e ela também precisou, primeiro, convencer os médicos de que não ia morrer. Depois, teve de lutar para escolher o melhor tratamento. Doentes assim, os médicos costumam chamar de “difíceis”. Foi o que disseram de mim, quando estive internada. Era o que diziam agora de mim, por me recusar a fazer exames com os quais não concordava.  Mas eu estava aprendendo, finalmente, a ouvir a minha voz interior.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

São Jorge

Há um ano, nesta mesma data, eu vivia momentos de muito desespero e dor, que felizmente estavam chegando ao fim.  Finalmente, o ortopedista marcara a data para a retirada do fixador externo que corrigia as múltiplas fraturas da minha bacia.  O fixador provocara escaras dolorosíssimas no meu abdome e eu sofria diariamente quando, após o banho, a enfermeira vinha fazer o curativo.  A cirugia foi marcada para o dia 24.


Submeteram-me a uma transfusão de sangue no dia 23, dia de São Jorge, e foi a ele que implorei ajuda.  Eu ia me ver livre do pesado fixador, que tolhia os meus movimentos, e precisava que tudo corresse bem.  As cirurgias no abdome são delicadas, porque a região é muito vascularizada e é grande a perda sanguínea.  "Por favor, São Jorge, adjudai-me nesse momento tão difícil".


Nunca fora devota de São Jorge e sempre me referia ao santo com sarcasmo, marcando bem a palavra "guerreiro".  A única coisa que me interessava no dia 23 era o feriado.  Olhando para trás vejo o quanto já pequei e quanta injustiça cometi.  Naquele leito do hospital, sofrendo e chorando de dor, era a ele que recorria.  São Jorge perdoou as minhas ofensas e me ajudou.  A operação foi um sucesso.  Em seis dias eu teria alta e voltaria para minha casa. 


Meu querido irmão me dizia, enquanto estava na UTI, que o dia do atropelamento foi também o dia do meu renascimento.  Não, o meu renascimento se deu no dia em que reencontrei a fé, foi quando entendi o quanto havia pecado e pedi perdão a Deus.  Meu renascimento não tem data precisa, pois foi paulatino.  Aos poucos fui me reaproximando de Deus, fui rezando e pedindo ajuda aos santos, até reencontrar a fé, totalmente.


No dia em que se comemora São Jorge, o Santo Guerreiro, Ele próprio injustiçado, torturado e morto, rendo minha homenagem, penitencio-me das muitas ofensas que dirigi a Ele e agradeço de coração todas as graças alcançadas. 


Salve São Jorge!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Falando sério

Hoje acordei pensando nas pessoas que deixam, de repente, de ser amigas.  Assim, sem mais nem menos, sem que a gente se dê conta, elas mudam e, por mais que você pergunte, elas dizem que está tudo normal. Você dorme um dia, todo feliz, porque tem um amigo.  No dia seguinte, acorda e descobre que seu amigo de ontem é agora um estranho. 

Talvez eu seja a pessoa mais desconfiada do planeta.  Quem sabe eu não sofro de mania de perseguição?  Ou talvez eu seja distraída e não perceba o momento em que essas mudanças acontecem.  A verdade é que, pessoas que mudam de repente, sem dizer ao outro o que está acontecendo, são covardes.  Elas têm medo de dizer a verdade, sofrem de pânico de viver uma relação plena com todos os altos e baixos comuns de qualquer relacionamento.  Transferem para o outro o sentimento de culpa por uma ofensa que ele não sabe ou não lembra de ter feito.  Têm receio de um possível confronto, temem brigar e acabam magoando profundamente o outro.  Será que depositamos nossa amizade em pessoas tão pequenas assim ou é essa, na verdade, a estatura real das pessoas?

Não conversar, não discutir a relação (sim, porque a discussão não se restringe apenas ao relacionamento homem/mulher), não ter uma atitude adulta diante das dificuldades, deixar de enfrentar os mal-entendidos, não aclarar as possíveis palavras ditas na hora errada é se apequenar, se acovardar, é se mostrar indigno de viver uma relação de amizade.

As pessoas assim me fazem sofrer, me impedem de pedir desculpas por possíveis ofensas, diminuem minha confiança no ser humano e deixam um rastro de amargura no meu caminho.

"....perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.  Não nos deixeis cair em tentação, mas livrai-nos do Mal.  Amém."

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Começar de novo - final

Depois das festas de fim de ano, os dias se passaram como um furacão. Rapidamente, chegou o dia da filha do meio ir embora. Chorávamos pelos cantos, tentávamos consolar uma a outra. Fazíamos promessas mútuas de reencontro. Aqueles foram dias de muita tristeza.

Reuni todas as forças que ainda me restavam e fui levar a filha no aeroporto. Caiu um tempestade nesse dia, horas antes de sairmos de casa. Parecia que a natureza expressava meu sentimento interior. Temi que ela não pudesse embarcar. Apesar de triste, a filha queria muito voltar à sua casa, rever o namorado e tentar reconstruir a relação. Sim, chegara a hora de nos separarmos.

A filha ia recomeçar a vida dela. Eu tentaria reconstruir a minha. De certa forma, estávamos vivendo momentos semelhantes, com a diferença de que, quando se é jovem, recomeçar é fato normal e quase corriqueiro.

Eu precisava vencer o desespero e a dor de estar só, longe das minhas meninas. Precisava ultrapassar limites e vencer a dor física, que tolhia meus movimentos. Ir à rua às vezes me custava.  Um ano se havia passado e eu ainda sentia dores, embora elas já dessem sinais de arrefecimento. 

Recomeçar parecia uma tarefa hercúlea, me causava desânimo e tristeza, mas era o que eu devia fazer. “Meu Deus, por favor, não me abandone agora. Preciso continuar a luta do dia a dia.”

terça-feira, 20 de abril de 2010

Começar de novo - parte 6

E assim terminou aquele ano terrível, abominável, do qual me custa falar. Um ano que quase me matou. Um ano que não vivi. Sim, eu estava feliz de deixar aquele ano fatídico para trás.

Se já é difícil não poder viver um dia, imagine um ano. Fico pensando nas pobres criaturas que estão presas ao leito, muitas delas crianças, pessoas jovens que tiveram suas vidas mudadas, de repente, e uma grande quantidade de velhinhos que já não têm mais esperança e só esperam a morte.

Enquanto convalescia, as técnicas de enfermagem me falavam de seus antigos pacientes. As pessoas saudáveis e felizes não imaginam quantos dramas impressionantes, quantas histórias tristes existem neste mundo. É a história do casal que tinha grandes esperanças com o nascimento do bebê, até que ele chegou trazendo enorme sofrimento para os pais. Há crianças que são portadoras de enfermidades raras, sem esperança de cura, e dependem de cuidados especiais. Crescem sem irem à rua, sem brincar com outras crianças. Muitas não falam, não reconhecem os pais. São mantidas à sombra, à margem da sociedade. Tem também histórias de jovems que se acidentam e passam a depender de aparelhos para sobreviver.

Sim, são grandes as dores do mundo. Eu tivera sorte de ter saído inteira do acidente e dava sempre graças a Deus por estar viva e de estar cheia de esperança de dias melhores.

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Santo Expedito

A primeira vez que ouvi falar de Santo Expedito foi quando Horacio me pediu para levá-lo à igreja dele. Ia pagar uma promessa.


Atravessamos a ponte Rio-Niterói à procura da igreja em Fonseca. Ficava no alto de uma colina. Uma construção simples, assim como a decoração interior - nada atraente para meus olhos tão obcecados por beleza.


Enquanto Horacio rezava lá dentro, saí para ver a paisagem e depois me dirigi a uma construção lateral onde se vendiam imagens, estátuas e vários objetos ligados ao santo.


Horacio saiu da igreja e perguntei o motivo da promessa, mal disfarçando meu sarcasmo. Nessa época, não acreditava em santos e questionava a existência de Deus. Enfurecido, Horacio, que tinha passado por momentos de profundo desespero, me disse que eu estava indo longe demais no meu agnosticismo e que um dia lamentaria o que acabara de dizer.


Ele tinha razão. E eu pude comprovar isso quando a noite escura e longa se abateu sobre mim. É nas horas de desespero que descobrimos que somente a fé pode nos salvar. A fé que redescobri, ajudou-me nos momentos mais difíceis em que, diante de mim, só havia treva.  Sem Deus, ficamos à mercê do Mal.


Hoje, quando se comemora o dia de Santo Expedito, esta é minha humilde homenagem ao Santo que tem me ajudado nas horas de desespero e agonia.


Muito obrigada, Santo Expedito.

domingo, 18 de abril de 2010

Começar de novo - parte 5

Entre o Natal e o reveillon, aconteceu uma pane elétrica no meu apartamento e vários dos meus aparelhos eletro-eletrônicos pifaram – nenhum teve conserto. E ainda ficamos um dia inteiro sem luz. Era o ano maldito que ia embora deixando um rastro de destruição, tristeza e amargura.

O réveillon foi ainda pior que o Natal. A filha teve uma grande decepção com o namorado e ficou muito abalada. E eu sentia dores que o analgésico não faziam parar. Pensamos em jantar fora, mas os preços eram absurdos.

Caminhar para mim era um tormento. Pensamos em ir à Lagoa para ver os fogos, mas, momentos antes de sair, quando eu já estava vestida (e desesperada de dor), a filha teve um de seus gestos mais lindos, de que jamais vou esquecer. Ela percebeu meu desânimo e minha agonia e disse que não estava mais com vontade de ver os fogos.

Ficamos em casa vendo televisao. Quando a meia noite se aproximou, fui até a geladeira e peguei uma garrafa que parecia de champagne. Devia mesmo ter sido, nos seus áureos tempos. Ela estava há muito na prateleira mais escondida, aguardando seu grande dia. O tempo, porém, deve ter-lhe tirado todo o gás. Ao abri-la, percebemos que o destino daquela pobre bebida era mesmo o lixo. Não tivemos com que brindar a entrada do novo ano.

sábado, 17 de abril de 2010

Começar de novo -parte 4

Logo, logo chegou o Natal e ele foi sem graça. Falei que ia fazer a ceia e convidei a prima. Ela gostou tanto do convite que insistiu em trazer a sobremesa. Era uma grande ajuda para quem mal se aguentava em pé.

Eu não andava bem por aqueles dias. Além da dor física que ainda sentia e me tirava toda a disposição, não encontrava ânimo para fazer o que quer que fosse - o que me acontecia era em parte provocado pelo remédio do hipotireoidismo, que não estava funcionando. Mas a filha estava de visita e eu precisava fazer tudo para retribuir a felicidade que ela me trouxera, vindo de tão longe.

Deixei queimar o tender, o arroz com amêndoas ficou esquisito, a batata rosti estava gordurosa demais e, para acrescentar mais um desastre, a prima, que eu havia convidado e que prometera contribuir com a sobremesa, acabou trazendo um bolo mixuruca de supermercado. Não consegui segurar a frustração e acabei me aborrecendo com a prima, bem na noite de Natal. Pobre prima! Logo ela que foi tão presente, tão amiga durante o tempo em que estive internada. Logo ela que, esquecendo da sua própria dor, fez tudo para amenizar a minha.

Enfim, o Natal foi um desastre total. Nem as fotos que tiramos ficaram boas. Mas a filha não reclamou. Entendeu que eu não estava bem e minimizou o acontecido. E hoje, pensando na ceia de Natal, chego a me divertir com ela.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Começar de novo - parte 3

Senti pena de mim e fui condescendente comigo, porque sabia que aquela dor ia passar, que eu ia superar e renascer, como sempre o fizera. Era só uma questão de tempo e eu estava aprendendo, penosamente, a ser paciente. Estava aprendendo, sofridamente, a esperar. Sabia que ia conseguir.

A filha do meio chegou no início de dezembro. Ela ficou chocada com tudo o que me aconteceu e veio correndo passar as festas de fim de ano comigo. É minha filha mais desprendida, porque deixou sua vida em suspenso para se dedicar a mim, durante quase dois meses, e não há palavras que possam agradecer gestos como esse.

Foram dias maravilhosos, um bálsamo para minha dor e tristeza. Com minha filha pude sorrir, brincar, conversar e até brigar – essas coisas que a gente faz normalmente sem se dar conta do quanto são preciosas. Saíamos para tomar café e bater um papo sobre os mais diversos assuntos - um programa de que gostamos muito. Com minha filha perto de mim eu me sentia renascendo, a vida parecia tomar seu curso normal. Fomos ao cinema, mas a maior parte do tempo ficamos dentro de casa, num tête-à-tête amigável e carinhoso. Uma pena que, nos momentos em que mais nos sentimos felizes, o tempo parece voar.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Começar de novo - parte 2

Eu tentava parecer normal. Precisava reagir, levar a vida adiante. Os ingleses acham de mau gosto as pessoas que não se recuperam das perdas, que vivem se lamentando, deixando todos ao redor embaraçados, sem saber o que dizer. Ainda bem que não sou inglesa. Ainda bem que estava só, porque não tinha ânimo de falar com ninguém.

Ia até a varanda do apartamento e olhava as árvores, as flores no jardim, ouvia o canto dos pássaros - coisas que antes enchiam meu coração de pura felicidade. Tentava ver beleza e graça naquilo tudo, mas não conseguia. Meus olhos estavam carregados de nuvens que desabavam em lágrimas por qualquer coisa. Às vezes chorava sem saber porquê. Em um ano, desde o acidente, chorei mais do que em toda a minha vida,e mesmo que tivesse apenas 20 anos (quem me dera!) já seria muito.

Aprendi com a vida que os lutos devem ser vividos e sentidos com toda a intensidade que se queira dar. Não concordo com os ingleses e os acho contraditórios. Se não se pode sentir e se o lamento é de mau gosto, por que levam tanto tempo para enterrar o defunto? Por que disfarçar a dor com um banquete?

Não, eu chorei tudo o que tinha de chorar. Sofri tudo o que tinha de sofrer, mas estranhamente reservei o lamento para mim mesma. De certa forma, era meio inglesa, sim.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Começar de novo - parte 1

Eu olho a TV e vejo as pessoas chorando, porque perderam suas casas nos deslizamentos de terra provocados pela tempestade que desabou no Rio de Janeiro. Choro com elas e entendo a a dor que sentem. Antes do acidente, eu me comovia, mas não sentia, não entendia. Não conhecia a sensação de terra arrasada.

Depois que saí do trabalho, chorei quase diariamente uma tempestade de lágrimas. Estava sensível, todo o meu corpo doía, estava mais impaciente do que sempre fui e me irritava com muita facilitade. Briguei com muita gente e sobre este assunto falarei em outro post.

Tinha os nervos à flor da pele. Sentia a dor absurda de ter perdido minha vida de antes. Tinha saudade da minha liberdade de movimentos, da elasticidade do meu corpo, do meu corpo de antes, das minhas aulas de hidroginástica, da minha disposição e alegria de viver.

A vida que passei a levar era de muita dor física e emocional. Precisava tomar analgésicos e muitas vezes eles não davam conta de fazer a dor física desaparecer. Tomava mais de um. Passava o dia inteiro tomando analgésicos e me lembrava de Macabea, a personagem de “A Hora da Estrela”, de Clarice Lispector. Também ela tinha de tomar analgésicos para esquecer a dor de viver uma vida de feiúra e tristeza. Passei a entender a dor de Macabea e que analgésico nenhum cura a dor que parece rasgar tudo por dentro da gente. Pobre Macabea, pobre de mim.

terça-feira, 13 de abril de 2010

Finalmente a volta ao trabalho - final

Voltei ao trabalho no dia seguinte e só Deus sabe o quanto me custou me arrumar, pegar um táxi e sair de casa. Precisava limpar minha mesa, minhas gavetas (que já não me pertenciam mais, assim como nada neste mundo nos pertence), jogar coisas fora, coisas que de repente haviam se tornado tão inúteis, tão despropositadas. No caminho, me lembrava do ataque às Torres Gêmeas e daquele rodamoinho de papel desatinado que saía dos edifícios em colapso. No espaço de poucas horas, aqueles papéis, outrora tão importantes, perdiam todo o seu valor. Ninguém lhes dava a menor importância e foram todos parar no lixo.

Mas eu precisava ter forças para lidar com algumas formalidades que me pareciam absurdas, principalmente aquelas ligadas ao meu afastamento da empresa, e eu não sentia o mínimo desejo de fazer o que quer que fosse. Olhei para fora da janela e a paisagem me pareceu estranha, diferente - uma paisagem de terra arrasada.

Cheguei ao trabalho e tentei parecer normal. Desconfiava que algumas pessoas já sabiam, mas ninguém me dizia nada. Então eu não me sentia obrigada a dizer nada a ninguém também. Mantive-me calada um longo tempo e só à tarde, quando havia terminado a limpeza de mesa e gavetas é que dei a notícia aos colegas. Falei primeiro com as minhas duas grandes amigas e elas me pareceram surpresas. Tentaram me confortar com palavras de apoio e carinho. Os outros colegas pareciam surpresos também, mas, de repente, saíram todos da sala e eu fiquei sozinha. Deviam estar confabulando lá fora. A desgraça alheia provoca medo e as pessoas odeiam se sentirem frágeis. Elas tentam imaginar o tempo todo que têm o controle de seus destinos, e deve ser isso que nos mantêm vivos e esperançosos.

Antes de o dia terminar, avisei que ia embora mais cedo. Uma atitude inútil. Quem ia me impedir? Quem ia me dizer que eu não podia ir para casa mais cedo?

Novamente, aquela música veio martelar minha cabeça:

“Eu bato o portão sem fazer alarde
Eu levo a carteira de identidade
Uma saideira, muita saudade
E a leve impressão de que já vou tarde.”

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Finalmente a volta ao trabalho - parte 5

As pessoas pensam que só existiu uma bomba de Hiroshima. Não, elas vivem caindo por aí e às vezes cai na nossa cabeça. Fui bombardeada por uma arma atômica arrasadora, e a gente não sabe onde vai buscar forças para conseguir levar a vida adiante. Sobrevivemos, simplesmente, assim como sobrevivi ao atropelamento. O ortopedista mal humorado me disse uma vez que eu escapei da morte porque estava gorda. “Foi graças à sua gordura”, disse-me ele, aparentemente alheio à sua própria condição de gordo também. E quando uma bomba atômica nos atinge em cheio, como se sobrevive? Não sei dizer.

Saí daquela sala incólume, na aparência, como se nada tivesse acontecido, embora tudo tivesse desmoronado dentro de mim. Senti-me traída, humilhada e desprezada. Eu não prestava para nada. Todo o meu esforço foi em vão. Todos os meus sonhos, minhas esperanças e até o meu sagrado foram pisados, esmagados. Nada ficara em pé. Estava tudo absolutamente destruído. Tudo tinha virado um monte de cinzas. Era a devastação provocada pela bomba. Não restava mais nada a fazer. Era a sensação de terra saqueada, vilipendiada, arrasada. Passei a entender muita coisa que antes pareciam tão abstratas. Agora eu sinto as dores do mundo.

Voltei à minha sala sem que ninguém percebesse nada incomum. Ou percebiam? Havia pensado em continuar trabalhando, como se nada tivesse acontecido. Era uma tentativa desesperada de me agarrar a um bóia que eu sabia estar furada. Eu ia afundar de qualquer jeito. Tudo perdera sua razão de ser. Senti-me vazia, sem ânimo, como acontece quando a gente finalmente entende que tudo acabou. Só me restava ir para casa e refletir sobre mais aquela tragédia.

domingo, 11 de abril de 2010

Finalmente a volta ao trabalho - parte 4

Fui bem recebida pelas secretárias e entrei logo no palco onde a outra parte da minha tragédia ia se desenrolar.

Ele estava de pé, segurando uns papéis, e perguntou polidamente se eu estava bem. Evidentemente, não estava interessado no que eu ia dizer. Mal respondi e ele disparou: “infelizmente as notícias não são boas, não conseguimos segurar a sua vaga por causa da longa ausência, e então vou ter de demitir você, mas você pode ficar até o fim do ano (era início de novembro), e você vai ter todos os direitos, vamos pagar por todos esses anos trabalhados e vamos lhe dar um plano de saúde com validade de um ano, não se preocupe que tudo vai ficar bem e se alguma coisa não der certo, se não estiver satisfeita,fale comigo.” Eu mal conseguia acompanhar o que ele dizia. Parecia que tinha entrado num torvelinho. Consegui voltar a mim e fiquei estranhamente calma, de repente, não sei se foi pela indignação que senti naquela hora. Quando entendi o que não queria entender, respondi: “Estou sendo atropelada pela segunda vez.” Ele me olhou entre assustado com a minha não esperada reação e sem graça e, pela primeira vez, desde que botei meus pés naquela sala, se calou.

Não sabia mais o que dizer e, quando dei por mim, estava agradecendo (por aquele desastre) e aí ele se recuperou e deu por encerrada a conversa. Saí daquela sala em transe, passei pelas “meninas” como se fosse um robô e mal consegui articular alguma palavra. Não consegui dizer "tchau" e muito menos "adeus".

sábado, 10 de abril de 2010

Finalmente a volta ao trabalho - parte 3

Tudo aconteceu numa tarde comum. Não me lembro se fazia sol. Tivemos chuvas torrenciais durante aqueles dias. Dois de meus colegas de trabalho estavam viajando e eu tentava preencher a lacuna de um deles trabalhando a todo vapor. Queria zerar as pendências, deixar tudo em ordem. Naquele dia, como aliás em alguns outros, eu não tinha saído para almoçar. Queria recuperar o tempo perdido.

O telefone tocou no meio da tarde. A secretária do “homem” me pedia para subir. Ele queria falar comigo. Meu coração parou. Olhei para Santo Expedito e rezei, mas acho que já era tarde demais. Subi tentando disfarçar o medo e a comoção, que mal me deixavam respirar. Intimamente, eu sabia o que ia acontecer, assim como pressentia que algo mal ia me acontecer, antes do acidente. (Eram quedas estranhas, como se estivesse sendo empurrada, momentos de tristeza inexplicáveis, sustos ao atravessar a rua e uma fixação esquisita com a morte. "Não, meu Deus, não era possível que mais uma tragédia ia se abater sobre mim.") Mas em momentos assim a gente sempre tenta fugir da realidade.

Ao me aproximar do andar onde ia descer, meu coração batia loucamente. Tive medo, muito medo. Tentei me acalmar. Parei um pouco, respirei. Talvez fosse melhor não ir à sala do “homem”, alegar que não estava me sentindo bem, qualquer coisa. Mas eu estava ansiosa demais e achei que era chegado o momento de desvendar o mistério que me rondava, de enfrentar a verdade cara a cara. Sim, eu precisava ir em frente.

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Finalmente a volta ao trabalho - parte 2

Finalmente, o grande dia. Voltei ao trabalho e foi como se todo aquele tempo em que estive internada 3 vezes, desde o acidente não tivesse passado. E o tempo a que me refiro é de 7 meses - quase um ano. Meu Deus, quase um se passou e eu não vivi. Quase um ano inteiro de muito sofrimento e angústia.

Fui ao trabalho de táxi. Era o único transporte que podia usar, pois ainda estava convalescendo. Não tinha readquirido total movimento do braço esquerdo e as chances são de que nunca ele voltará ao normal. Secretamente, esperava uma bela recepçao, sei lá, flores, mais animação. Mas não. Foi como se eu tivesse saído na sexta e voltasse ao trabalho na segunda. Foi como se o tempo passado fosse apenas o espaço de um fim de semana, uma ilusão apenas.

Eu percebia algo estranho, olhares que se baixavam, perguntas que me pareciam esquisitas, amedrontadoras, inexplicáveis e para as quais eu não queria e nem buscava qualquer explicação. Eu percebia um movimento raro, mas dizia a mim mesma que era tudo impressão. Estava tudo bem. Minha amiga Deise veio me trazer uma ramada de flores lindas e com isso ela iluminou meu dia, me deu esperança e afastou aquelas nuvens perigosas. Não era nada. Tudo ia ficar bem. Afinal, o chefe me recebeu na sala dele, me deu um abraço de boas-vindas. Se algo estivesse errado ele certamente não tomaria essa atitude. Não, era impressão mesmo.

Estava contente de trabalhar e não me importava de gastar com o táxi na volta para casa. Dediquei-me ao trabalho, queria recuperar o tempo perdido, sentir-me útil. Precisava tomar analgésicos para controlar a dor que ainda sentia. Não era fácil ir à rua almoçar com os amigos. Mas eu me esforçava. Estava muito feliz.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Finalmente a volta ao trabalho - parte 1

Convoquei a família para uma missa de agradecimento a Santo Expedito. Antes, não acreditava no Santo e nunca me ocorreu que um dia eu ia precisar tanto dele. Acreditem: o Santo atendeu a todos os meus pedidos, especialmente aqueles que fiz nos momentos de maior desespero.

Antes de ir à missa, fui ao cabeleireiro. Queria que todos me vissem recuperada. Queria que todos vissem o milagre. Um novo penteado ia me ajudar a esconder todo o sofrimento por que passei. Também não queria que meus amigos me vissem com cara de doente. Na saída do salão, o taxista que me levou para casa, um senhor muito simpático, me olhou com admiração. Sim, eu estava bem. Não como estava antes do acidente, mas aos poucos eu voltaria ao normal.

Primeiro tive de passar no serviço médico da empresa para receber a alta. A assistente social estava presente. Ela e a médica confabulavam longamente, a portas fechadas, enquanto eu esperava ser atendida. Havia qualquer coisa estranha no ar, mas eu estava ansiosa e feliz e nada ia atrapalhar aquele momento mágico. Os fatos estranhos que aconteceram um pouco antes da minha volta não queriam dizer nada. Estava tudo bem, eu ia voltar e era isso que interessava. Não quis prestar atenção aos sinais. Não quis ver as nuvens carregadas que se acumulavam, prenunciando uma tempestade devastadora que ia desabar sobre minha cabeça.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Mãe


Quem ousa falar mal da mãe? Quem teria a ousadia de atacar uma mãe que se comporta bem socialmente, cuida bem de seus filhos, dá-lhes de comer nas horas certas e os mantém sempre limpinhos? Poucos, acho. A aura divina que emana de Nossa Senhora parece envolver todas as mulheres que se tornam mães. Falar mal da mãe é ofender Nossa Senhora. É coisa que não se faz.

Falar mal da mãe é sacrilégio, é maldade de filho ingrato. Quem assim procede, recebe olhares reprovadores,discriminatórios. Acaba se sentindo excluído e é quase obrigado a fazer um mea culpa. A mãe é figura inatacável, irretocável, sublime e sagrada.

Essas questões me perturbam no momento em que recebo minha mãe em casa. Nunca tivemos um bom relacionamento em nossa longa convivência, e hoje penso que talvez seja porque eu nunca fui uma filha obediente. A obediência sempre pareceu significar muito para minha mãe. O medo, talvez instintivo, de desobedecê-la fez com que meus três irmãos se tornassem pessoas dóceis, meigas e amorosas. A obediência cega deu-lhes o maior presente que poderiam receber: o amor de nossa mãe. O mesmo, infelizmente, não aconteceu comigo. Nunca aceitei cambiar minha liberdade por coisa alguma. E pago um preço muito caro.

Sinto-me como uma ovelha desgarrada. Minha mãe me olha com uma indiferença que ela mesma não ousa reconhecer. É como se me acusasse o tempo todo: "desobediente?!" Não existe entre nós sinceridade, cumplicidade, amor, aproximação. Tudo o que existe é estranheza e cerimonialismo. Pisamos em ovos uma com a outra. Entre nós há apenas uma enorme de distância, que o tempo só faz aumentar.

Tento usar as palavras, ora duras, impacientes, ora suaves, para me aproximar dela, mas sinto que estamos a anos-luz de distância uma da outra. Há, na verdade, um buraco negro que nos suga, impedindo-nos de nos ver tal como somos. O tempo corre, ela está chegando ao fim e eu quase morri. Minha angústia é saber que nosso encontro aqui na Terra pode ser impossível.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Voltando para casa

Receber alta do hospital é a maior alegria que um doente pode ter. Voltar para casa nunca foi tão bom. Sempre que viajava, detestava a hora do regresso. Aquela era a terceira vez que meu coração se enchia de alegria de poder ver minha casa outra vez.

Dentro do táxi eu só pensava na minha reabilitação e na volta ao trabalho. Era questão de mais uns dias. Se o exame de urina não acusar nenhuma bactéria estarei livre e pronta para reassumir minhas funções. Eu mal podia esperar. Tantas vezes tinha sonhado com a volta que achei melhor ser mais cautelosa daquela vez.

Ao chegar em casa, a surpresa desagradável: não ia mais poder contar com a visita da minha fisioterapeuta. Eu teria de ir à clínica que fica perto de casa. Mas eu tinha medo de ir à rua sozinha. Era mais um obstáculo a superar.

O exame de urina feito na semana seguinte não acusou nenhuma bactéria. Eu ganhara a guerra. Falei com a médica e ela me liberou. Eu ia voltar ao trabalho. Não estava ainda plenamente restabelecida, mas tinha muita disposição e força. Mandei e-mail para todo mundo avisando. Meus amigos me apoiaram e ficaram felizes. Como é bom ter amigos! “Meu Deus eu Vos agradeço por ter me ajudado a superar mais essa etapa.”

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Voltando ao hospital

Fiquei internada sete dias e dessa vez em outro hospital. Em momentos assim é difícil manter a esperança. Tudo parecia estar desmoronando ao meu redor. O meu sofrimento parecia longe de terminar. É melhor desistir de tudo, não adianta. Parece que mais bactérias vão surgir e elas vão vencer, vão se apoderar do meu corpo e destruí-lo. Foi o que expressei em conversa com um médico e ele me disse com toda convicção: “nao importa quão forte elas sejam, a gente vai sempre destruí-las e vencê-las.” Infelizmente, não é bem isso o que se lê nos jornais, mas eu queria acreditar nas palavras do médico e achei melhor decorar o que ele disse. “Eu ia vencer, eu vou vencer, estou vencendo, porque sou mais forte.”

Enfrentei os sete dias de tratamento intravenoso com coragem e disposição. Sete longos dias. Não foi fácil, creia-me. É muita solidão e medo a vencer e não adiantam as palavras de conforto. Elas soam como clichês e chegam a aborrecer, às vezes. A verdade é que o fim do túnel parece muito longe, mesmo estando a uma distância de sete dias. São sete dias que se arrastam em longuíssimas horas. São sete noites intermináveis.

Ao término de toda essa irritante espera, eu ainda sentia desconforto ao urinar e tinha algum sangramento. Teria de esperar mais uma semana para ter certeza de estar livre da perigosa bactéria. Seriam mais sete dias intermináveis. Mais sete noites que se arrastariam em longuíssimas horas. “Meu Deus, dai-me paciência e fé.”

domingo, 4 de abril de 2010

Voltando outra vez para casa - final

Adriana havia saído antes da minha hospitalização e novamente tivemos de enfrentar a seleção de uma substituta, que não ficaria muito tempo. Eu continuava com a fisioterapia e me empenhava de todo coração. Queria muito voltar à minha vida normal e cada dia me sentia mais forte. Era impressionante o meu progresso. Mas o destino voltou a me pregar outra peça.

Porque me movimentava mais, passei a sentir dores e ter sangramento na uretra. Fui ao urologista, como me indicaram, mas os exames não eram conclusivos. Desesperada, recorri à minha querida sobrinha médica, e foi ela quem prescreveu outro exame que indicou que eu estava sendo vítima de uma bactéria chamada Acynetobacter. Mais uma e essa era a terceira. A primeira foi detectada quando ainda estava na UTI e me atingiu os pulmões. Era a Pseudomonas Aeruginosa, também muito perigosa.

Voltei ao urologista com o resultado do exame e ele receitou 14 injeções dolorosíssimas, que me deixaram com caroços nas nádegas durante muito tempo. As injeções eram tomadas pela manhã e à noite. No meio do tratamento, me senti melhor, mas assim que as aplicações terminaram as dores e o sangramento voltaram, para meu desespero. Passei horas tristes e solitárias, procurando entender a razão daquilo tudo, daquela noite escura e sobria que não parecia ter fim.

As injeções não surtiram efeito e o médico urologista me abandonou. Nunca entendi por quê. Outra vez minha sobrinha interveio, botando em meu caminho a Dra Cristina, que optou por uma internação para tratamento intravenoso. “Meu Deus, eu Vos suplico, me ajude a superar mais este momento difícil. Dai-me forças.”

sábado, 3 de abril de 2010

Voltando outra vez para casa - parte 1

Antes da hospitalização para remover o abscesso eu contava apenas com Zini e Adriana, que se revezavam em turnos de 8 horas cada uma. À noite, dormia sozinha. Felizmente e por sorte, a filha mais velha estava em casa nessa época,me visitando, e eu tinha companhia. À noite, sempre jantávamos juntos e era uma festa. Eu me divertia com o meu netinho e me sentia profundamente feliz. Mas o tempo, que transcorria com raivosa lentidão no hospital, parecia agora voar. (Tristeza não tem fim; felicidade, sim)

Com a partida da filha mais velha, eu agora ia experimentar dormir sozinha todas as noites. Era um desafio e eu estava assustada. Ainda precisava de cuidados. Depois do acidente, passei a experimentar o que as pessoas chamam de doença do pânico. Na primeira fase da minha hospitalização,não conseguia ficar só nem um minuto. Se uma das moças saía do quarto, ainda que brevemente, eu chorava em desespero. Zini gostava de sair para fumar e teve de se privar do vício enquanto cuidou de mim. Tudo isso dificultava a vida delas, porque não podiam sair nem para comer. Para contornar a situação,eu pedia excesso de comida e dividia com elas.

Uma psicóloga veio me atender. Era uma mulher simpática e muito doce, mas não gostei dela, profissionalmente. Ela tentava me consolar, dizendo "você é uma pessoa muito forte, vai superar tudo isso, etc., etc." Eu sempre soube que era forte, ou não teria resistido a tantas vicissitudes ao longo da minha vida. Não queria ouvir frases de efeito, e era tudo o que ela tinha para me oferecer. Não questiono que deve funcionar para muitas pessoas. Para mim, não. Não me consolavam, não me curavam. Eu esperava mais dela, algo que ela nunca me deu, mesmo tendo prometido e mesmo nos meus momentos de maior dor.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Quando é preciso voar - final


Ao perceber que me aproximo, ela foge correndo, embrenhando-se na mata, que parece lhe dar o aconchego de que precisa. Vejo-a passar rapidamente pelos lírios do campo, aspirar-lhes o perfume e parar por um momento à beira de um rio, que corre manso e cantarolando em seu leito de pedras redondas e amareladas.

A menina se detém por um momento e vira-se para trás, olhando em minha direção. Tem os olhos assustados e doloridos. Tento me aproximar mais uma vez, mas ela torna a fugir. O corpo magro e as pernas finas como gravetos dão-lhe um ar etéreo. Parece que a qualquer momento ela vai voar. Sigo olhando e, de repente, vejo que a menina ergue os braços para o céu e seu corpinho se desprende da terra, levemente.

Ela voa como uma borboleta, seguindo o curso do rio. Desaparece no horizonte e noto que o sol está quase se apagando e as cores, antes vibrantes e abundantes, começam a se misturar, formando um tom único e esmaecido.

Permaneço parada um longo tempo, esperando que a menina volte. Por um breve instante, parece-me ver suas asas douradas surgindo por detrás da mata. Mas era apenas o sol despejando seus últimos raios e dando adeus ao dia.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Quando é preciso voar - parte 1

(Este conto é dedicado a Isabella Nardoni, pobre menina torturada pela madrasta e morta pelo pai)
Caminho por uma estrada longa de terra batida. De cada lado, uma alameda de eucaliptos altos e esguios desenha no chão linhas perfeitas e retas. O sol se infiltra por entre as árvores formando desenhos arbitrários e assustadores, enquanto se ouve ao longe uma sinfonia perfeita executada por insetos e grilos. De resto, tudo na mata que se estende à minha frente é silêncio e harmonia.

Ando na direção oeste e de longe vejo um pequeno vulto que caminha na minha direção. O sol prepara sua despedida, colorindo o céu com tons de rosa, azul pálido e amarelo vivo, quase alaranjado. É um lindo final de tarde de outono que vai embora lentamente, enquanto aguarda pacientemente que a noite vista com calma seu longo vestido negro, salpicado de lantejoulas. A noite não tem pressa e a natureza parece reter um suspiro de inquietação, aguardando sua entrada triunfal.

Apresso o passo para encontrar-me com o vulto que caminha na minha direção. É uma menininha que chora desconsoladamente. Por que chora a menina?

O CLIMA DO ANO

Há tempos venho notando que a natureza absorve nossos humores, mas isso é assunto pra outro post. Lembro que, em 2016, meu pé de amora fic...