quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

ADEUS, MÃE

Hoje, ela faria 84 anos. Tinha medo de morrer e é com assombro que constato que está morta. Há precisamente 6 meses e 6 dias.

Nossa convivência foi muito difícil. Nunca a entendi. Ela nunca me entendeu. Nunca consegui me aproximar dela, porque ela parecia estar sempre mais distante.

Sua morte tem sido até o momento um susto para mim. Não a digeri, não a aceitei, também ela, tenho certeza, não a aceitou, porque gostava de viver. Com todos os problemas que a vida lhe trouxe, mesmo assim gostava de viver. E a vida lhe foi pesada e amarga.

Em seus momentos finais, pressentindo o que ia lhe acontecer, teve medo e não queria ficar só. Gritava socorro, chamava nosso nome, incessantemente. Como se o fato de estar em companhia pudesse afastar a morte de si. Não, ela não se atreveria a arrebatar-lhe a vida. Ela escaparia de suas garras. E mamãe tinha razão de ter medo: morreu só num leito de hospital. É isso o que mais lamento.

E custa-me crer que tenha morrido. Porque ela era cheia de vida e ria de tudo. Era debochada, irreverente, desbocada, livre. Transgressora, violenta algumas vezes mas, para quem teve a sorte de conhecer o outro lado, foi também generosa e carinhosa. Não comigo, infelizmente.

Não, eu nunca a aceitei. Verdade seja dita. E é também verdade que ela nunca me aceitou. Nosso relacionamento era superficial e isso sempre me surpreendeu e magoou. Tinha inveja de algumas amigas, via uma mãe carinhosa e a desejava.

Foi assim, mãe. Fomos duas estranhas uma para a outra a vida inteira. A verdade é que eu não soube lhe amar e nunca senti que você me amava. Talvez eu exigisse amor demais de você. Talvez você me amasse ao seu modo. Hoje em dia, prefiro pensar assim.

Mas eu celebro hoje a sua vida, lamento a sua morte, sofro por não termos sido amigas e rezo a Deus para que você descanse em paz. Rezo por você que tanto trabalhou e lutou na vida. Sei que você ia preferir estar cansada a estar morta. Também sei que não gostava de flores. Mas não tenho outra coisa para lhe dar hoje. Aceite-as, por favor.

E seja feliz onde estiver, mãe. Mais que tudo, desejo que tenha encontrado a paz.

Que Deus lhe abençoe. Amém.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

O LADO SOMBRIO

Em uma roda de amigos, um deles contava como seu irmão adotivo, gênio da matemática e dono de uma inteligência privilegiada, não conseguia executar uma tarefa tão simples como tirar o carro de uma vaga. E se divertia com a experiência por que passara quando o irmão insistira em dirigir o carro, mas não conseguia dar marcha-a-ré – o carro ia para frente, em vez de ir para trás. Por mais que lhe pedisse calma e explicasse o procedimento, o irmão não aprendia e repetia a mesma operação desastrada, até que o carro ficou todo amassado.

Também eu tive um amigo assim. Era um inglês que recebera distinção em física pela Universidade de Oxford. Eu mal consigo imaginar o que seja isso. Física é coisa que nunca entrou na minha cabeça e também nunca me esforcei para que entrasse, salvo nas provas objetivas do vestibular e, assim mesmo, me saía mal na matéria. Pois bem, esse homem também era dono de uma inteligência privilegiada e era o gênio da física. Tinha trabalhos publicados e criara um método que levava seu nome. Mas sua vida pessoal era um desastre. O primeiro casamento fracassou; o segundo, terminou em tragédia. Muitos anos depois de o conhecer e quando ele já estava quase à morte descobri que fora um homem violento. Fazendo uma pesquisa na internet, descobri que a segunda mulher morreu em circunstâncias misteriosas. O que se soube com certeza, na época, foi que ela levara uma tremenda surra, antes de morrer asfixiada pelo gás.
Por que será que pessoas tão inteligentes, capazes de solucionar problemas tão complexos de física e matemática, não conseguem resolver seus problemas pessoais? Não vejo outra explicação que não seja o lado sombrio. Todos nós temos nossas áreas de sombra. Lá ficam escondidos medos, frustrações, fobias, carências de afeto, timidez e toda uma gama de sentimentos complexos demais - quiçá mais complexos que qualquer equação matemática ou problema de física.
No primeiro caso, o gênio da matemática foi abandonado pela mãe. Não importa que tenha sido criado com carinho e amor por outra família. O afeto materno lhe faltou no início da vida. Com o tempo, ele tomou conhecimento desse abandono. E talvez a rejeição tenha-lhe provocado essa inabilidade. Quem sabe? Seria essa a explicação?
Já à beira da morte, meu amigo me contou uma história que talvez explicasse seu comportamento violento. A mãe o vestia como menina. Ela parecia não aceitar seu sexo e quem sabe essa negação lhe tenha causado uma crise de identidade? Quem pode saber?
Somos seres complexos demais e uma vida só não basta para nos conhecermos. Minha avó, na sua simplicidade, dizia: “Dorme com o Pedro e não conhece o Pedro”. Parece que construímos um muro em torno da nossa área de sombra. Não queremos saber o que há lá dentro. Melhor esquecer os problemas e tocar a vida para frente.
Mas lá adiante, numa curva qualquer da vida, as sombras se libertam e passam a nos perseguir. Não as conhecemos e não sabemos lidar com elas. Mesmo que sejamos gênios da matemática. Mesmo que sejamos gênios da física.

O CLIMA DO ANO

Há tempos venho notando que a natureza absorve nossos humores, mas isso é assunto pra outro post. Lembro que, em 2016, meu pé de amora fic...