quarta-feira, 22 de fevereiro de 2017

VIDA NA ROÇA - A SERENATA


 No domingo à noite, depois de ver mais um episódio da maravilhosa série "Breaking Bad", fui pro meu quarto. Já estava quase pegando no sono quando escutei um cri-cri-cri-cri-cri-cri. Era de um gafanhoto grandão e colorido que tinha voado pro meu quarto pela manhã e se instalado em cima do poster antigo em homenagem aos 25 anos do filme "Doutor Jivago", do genial e saudoso cineasta David Lean. Deixei-o ficar ali. Lembrei das minhas meninas, que morrem de medo de qualquer bichinho. Uma vez, lá no Rio, estava voltando da padaria quando encontrei caída no chão uma cigarra. Estava viva, peguei-a e levei pra casa. Abri a porta anunciando: "Meninas corram e venham ver". Pra quê? Assim que viram "aquele monstro", todas correram e se trancaram no quarto. De lá, gritavam: "Joga fora esse bicho!" Fui com a cigarra até a varanda e deixei-a num vaso de planta. Em pouco tempo ela se recuperou e saiu voando.
 
Na noite de domingo, minha pretensão e ignorância, fez com que eu pensasse que o gafanhoto cantava pra mim aquela bela e exclusiva serenata. Antes de cair no sono, me lembrei de uma vez, quando tinha 20 anos e fui passar uma temporada em Poços de Caldas, com a minha saudosa amiga Alda, que viria a ser minha cunhada. Quanto nos divertimos! À noite, os rapazes da cidade vinham até o pensionato de moças das freiras, onde estávamos hospedadas, e faziam serenata pra nós. Ficávamos debruçadas na janela felizes, ouvindo-os cantar: "Lua, manda a tua luz prateada despertar a minha amada..." É essa a imagem que tenho da cidade e ela me acompanha até hoje. Dormi feliz com a lembrança.
 
Pela manhã, ao acordar, me deparei com a verdade. Havia dois gafanhotos e eles estavam, despudoradamente, no maior rala e rola no meu quarto. Deixei-os lá e fui cuidar da minha vida.
Ah, o amor...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

VIDA NA ROÇA - O CREPÚSCULO VESPERTINO

Gosto do me sentar na varanda ou perto do pé de cerejeira e ver as luzes do dia se apagando no céu. É a despedida do sol e ele sai em grande estilo, colorindo tudo de rosa e amarelo. Ao longe, nuvens azuis mais escuras tentam tomar o lugar dos flocos de nuvens cor de neve, prenunciando o anoitecer. É nessa hora que cai um silêncio estranho sobre a natureza: os passarinhos se recolhem ao ninho e deixam de cantar - não se ouve um pio. Tento parar de pensar e me concentrar exclusivamente no espetáculo que se desenrola diante de mim. Mas em vão.
 
Me lembro de uma vez em que caminhava pela rua São Clemente, indo na direção do Humaitá, quase em frente à Casa de Portugal. Parei e olhei para o céu. O que vi me deixou estatelada. O céu estava todo coberto de um manto rosa, púrpura, azul, amarelo, laranja, vermelho - um dos céus mais lindos que já vi na minha vida. Apaixonada pelo que via, não me contive, parei um transeunte e lhe disse, apontando o céu: "Olha de coisa linda!" O homem olhou pra mim primeiro, depois levantou o olhar pro alto por apenas um segundo e seguiu em frente. Parecia decepcionado. Talvez esperasse um OVNI ou um choque de aviões, quem sabe? Só eu fiquei ali parada, esperando as cores irem pouco a pouco esmaecendo até dar lugar à noite, como ontem. Nessa hora, o silêncio se aprofunda, como em reverência, e as estrelas, uma a uma, começam a acender-se, deixando o céu todo estrelado.
Hora de entrar.

sábado, 11 de fevereiro de 2017

VIDA NA ROÇA - TENTANDO DORMIR

Tive um dia exaustivo ontem. Vi o episódio piloto de "Breaking Bad" recomendado por um amigo (gostei), mas daí fiquei cansada, com vontade de me espichar, estava ainda agitada pelo movimento do dia. Fui pro quarto e liguei a TV que, pra mim, é um sonífero potente. Deus do Céu! É inacreditável o que se vê na TV aberta (só tenho essa) numa sexta-feira à noite, por volta de 21h30.
 
Ainda rolava aquela novela boba da Globo "A lei do amor", mostrando a falta de química entre a Cláudia Abreu e o Reynaldo Gianecchini. O rapaz é lindo, mas a Globo fez questão de deixá-lo feio com aquele cabelo mal tratado e oxigenado e uma barba horrível. A combinação de cabelo e barba deixou-o pálido e descolorido. O tratamento da Cláudia foi bem melhor, mas ela ficou jovem demais pra ter uma filha tão crescida. E ainda tem o mega canastrão e vilão, José Meyer, que só consegue ser melhorzinho quando dirigido por um diretor bem cri-cri. A novela estava no finalzinho e daí entrou o Big Bosta Brasil. No way!
 
Mudei pro SBT e lá estava o Ratinho com aquela moça que ele um dia chutou ao vivo e a cores. A moça, indignada, saiu porta a fora, mas pelo jeito esfriou a cabeça e voltou. Coitada!
 
Mudei de canal de novo e, pra meu horror, a Record fazia um programa em homenagem ao Tirulipa, filho do Tiririca. Cheguei a pensar que tinha dormido e tivera um pesadelo. Era tudo real, acreditem.
 
Mudei de novo de canal e a Band mostrava um sujeito ridículo, de barba postiça, que apresentava três moças de biquinininho fio dental. E a câmera fazia closes o tempo todo do bumbum das moças.
 
A essa altura, estava indignada demais pra dormir. Fui mudando de canal até chegar na TV Aparecida, onde uma dupla caipira se apresentava. Porcaria. Mas daí me lembrei de um lugarejo de Minas que costumava frequentar anos atrás. Meu pensamento viajou e me lembrei de uma vez que estava sentada num banquinho na vendinha, enquanto os pinguços tomavam pinga. Ao meu lado sentou-se um violeiro dos bons e começou a cantar as músicas que falam das coisas simples da roça. Enquanto ele cantava uma canção linda sobre um casal de passarinhos, os cachorros, que estavam deitadinhos tranquilos, por alguma razão começaram a brigar ferozmente. Alguém pegou uma bomba e acendeu, provocando um barulhão. Foi um tal de pinguço e cachorros correrem porta a fora espavoridos, deixando a vendinha subitamente vazia. Fiquei paralisada diante daquela cena. O violeiro olhava aquilo tudo com olhos "déjà vu". Depois que passou o susto, tive tamanho ataque de riso que só parou quando o violeiro entoou outra linda música.
E foi então que adormeci.

domingo, 5 de fevereiro de 2017

UM PAÍS CHEIO DE ÓDIO

Eu me lembro que o ódio que se vê agora e que assusta tanta gente começou a se manifestar (porque é muito mais antigo) em 1989, com a disputa acirrada entre Collor e Lula. A rede Globo insuflou a classe média, os pobres de direita e os metidos a rico, empurrando um candidato de olhos vidrados. E eu me perguntava: o que leva as pessoas a votar num sujeito que tem olhos assim? Desconfiada e pressentindo algo mau, saquei o dinheiro da herança do meu pai, que acabara de receber, e converti tudo em dólar. Quando veio o sequestro da poupança eu era uma das poucas endinheiradas. O sequestro foi um choque terrível. Ninguém acreditava que aquele homem "bem nascido", caçador de marajás fosse fazer uma safadeza daquelas. Collor nivelou todo mundo: todos só tinham 50 cruzeiros (já nem lembro a moeda da época). E aí os pobres saíram vendendo seus cacarecos pra botar um prato de comida na mesa, como está acontecendo agora. Num jornal que li, uma ricaça desabafou: "pelo menos meu marido vai parar de dar dinheiro à vagabunda e meu filho não vai ter grana pra se drogar." 

E nem assim essa gente aprendeu. Veio o sociólogo, anos depois, e mesmo com a derrota do meu candidato, minha esperança se acendeu: pelo menos era um partido de centro-esquerda. Achei que ele ia tirar o povo da miséria e da fome (lembram das campanhas em que pobre só comia uma vez por ano, no Natal? E dos casaquinhos tricotados pelas madames?). Mas foi o contrário, o assistencialismo continuou, porque neste país pobre não tem direito, ele tem de se contentar em receber esmola. FHC privatizou quase tudo, deu sumiço no dinheiro, deu dinheiro pra banqueiro, levou uma bronca inesquecível do Bill Clinton e ainda foi de pires na mão pedir dinheiro ao FMI.


E aí, finalmente, meu candidato venceu. Sempre tive apenas simpatia pelo PT e votava nos candidatos desse partido em todas as esferas de governo. Só muito recentemente, indignada com o que vem acontecendo, achei que era hora de tomar uma posição e me filiei ao PT, porque quem é trabalhador tem de votar em trabalhador. E o PT fez o maior milagre que este país conheceu até hoje. Tirou milhões da miséria e da fome e levou outros milhões à classe média. Acabou com o assistencialismo e deu direitos às pessoas. E o que elas deram em troca? Muitas delas, ingratidão. Não aprenderam que a rede Globo é inimiga do povo. É certo que o partido cometeu erros gravíssimos, especialmente por ter se aliado a partidos reconhecidamente corruptos. Nunca engoli Maluf, Jáder Barbalho, Collor e outros bandidões. Mas foi desse jeito que o PT se elegeu. O país passou a ser respeitado no exterior e vivemos anos de bonança, com muita gente que não tinha dinheiro nem pra ir a Cascadura, viajando pra Disney.


Veio a Dilma, continuou a obra de Lula, foi reeleita e o resto todo mundo sabe. Mas o que dói de verdade é ver a ingratidão principalmente dos pobretões. Os metidos a rico já nem falo mais, porque são ridículos até a medula. Acompanhei todo o calvário de Marisa Letícia até o velório ontem e estou até agora assombrada. Ódio a uma pessoa que está no hospital lutando pra viver é demais. Ódio a um viúvo que está prestando homenagem a companheira de mais de 40 anos é insuportável.


Vocês, classe média ingrata, pobres de direita, classe média metida a rica estão destruindo o país. O ódio de vocês, que fez com que os pobres vivessem em guetos, vai um dia explodir contra vocês mesmos. Porque vocês ridicularizaram os projetos sociais, que tinham o propósito de fazer do país uma nação igualitária. Vocês exigiram a saída de uma presidenta honesta e digna pra botar no lugar dela uma gangue de facínoras, que congelaram por 20 anos os investimentos em educação e saúde. E agora se preparam para tirar os direitos dos trabalhadores e dos aposentados. Vocês são culpados.
E quando a fome bater lá no morro e a indignação crescer, eles vão descer pro asfalto. De nada vai adiantar seus muros, suas grades, seus pitbulls. Nem a polícia vai salvá-los da horda assassina e incontrolada que vai invadir seus lares e matar vocês.


Ódio dá nisso.

O CLIMA DO ANO

Há tempos venho notando que a natureza absorve nossos humores, mas isso é assunto pra outro post. Lembro que, em 2016, meu pé de amora fic...