Com o tempo, passei a ficar acordada com mais frequência e um dia recebi a visita do médico ortopedista que realizou aquela longa operação. Era um homem gordo e mal-humorado. Eu lhe disse: “Que sorte que tive de não ter sofrido nenhum dano na coluna e na cabeça.” E ele respondeu: “Sorte? Sorte seria se o acidente não tivesse acontecido.”
O tempo passava e eu continuava na UTI. Aos poucos, eles foram diminuindo a dose dos analgésicos e as dores foram aumentando. À noite, especialmente, elas vinham com toda força e eu me desesperava. Alguns homens de branco eram simpáticos e tentavam aliviar meu sofrimento. As moças eram mais atentas e carinhosas, mas nem sempre elas podiam ficar comigo. Tinham que obedecer uma escala de plantões. Na troca dos turnos ou durante o jantar era impossível receber atendimento. E isso durava horas. Muitas vezes chorei e me desperei. As dores eram insuportáveis e eu precisava de mais analgésicos. A maioria dos homens de branco eram rudes e não se importavam. Os médicos plantonistas, com raras exceções, não se interessavam e diziam que era assim mesmo. “Fratura óssea dói muito.” Um dia, ao ouvir tal resposta, perdi a cabeça e gritei com o médico. “Não acredito que em pleno século vinte e um, com todas as evoluções da medicina e da ciência, não exista um único remédio para acalmar minha dor.” Ele pareceu não se importar e saiu porta afora. Enlouqueci. Gritei o nome dele várias vezes e não sosseguei enquanto ele não me deu um remédio para acalmar a dor.
No dia seguinte, durante a visita da caçulinha, implorei para que ela me tirasse daquele hospital, disse-lhe que estava sofrendo muito. Mas ela não acreditava em mim. Conversava com os médicos e eles deviam lhe dizer que eu estava nervosa, e que minha atitude era normal. Fico imaginando agora quanta gente sofre nesse mundo, quanta gente passa pelo que passei e sente dores até mais atrozes. Quantas pessoas estão neste momento limitadas física e mentalmente e não podem se expressar. Quanta gente tenta pedir auxílio e não é atentida, porque ninguém consegue imaginar o sofrimento que sentem. Agora eu entendo.
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