A viagem de avião foi péssima. Sentei-me ao lado de um casal antipático. A mulher, ciumentíssima, controlava todos os movimentos do marido, e este, coitado, procurava se manter imóvel entre mim e ela. Cheguei tarde da noite em Lima, e não tinha reserva em nenhum hotel. O taxista me levou para o lugar que ele considerava o mais bonito de Lima, Miraflores, mas ficava um pouco longe do centro.
No dia seguinte, tentei ligar para o Rio. Passei uma manhã inteira tentando e nao consegui. Procurei espairecer, dar umas voltas por Miraflores, mas meu pensamento estava longe. O mau pressentimento voltara e eu sentia uma necessidade urgente de falar com as meninas. Retornei ao hotel e tentei de novo. Nada.
Só consegui falar com as meninas no terceiro dia, quando decidi permanecer no quarto do hotel, sem sair um minuto sequer. Já era noite quando consegui. A empregada atendeu o telefone. A voz estava normal. Fiquei mais calma. Perguntei pelas meninas e ela me disse que estavam bem, mas eu notei algo estranho na voz dela. O que aconteceu?, perguntei e ela passou o telefone para a filha do meio, que me contou, chorando, o que acontecera.
Bia estava morta. Ela fora passar as férias de verão em Maricá com os pais e os dois irmãos. Estava jogando bola com as outras crianças. A bola rolou pela rua e Bia foi atrás. Um carro passou e ela sofreu uma pancada na cabeça. Levantou-se, não se queixou de nada, e foi para casa almoçar. Não contou nada a ninguém. Só quando começou a vomitar é que falou do acidente. Correram com ela para o hospital, onde ficou internada vários dias em coma. Pelas contas que fiz depois, o acidente da Bia aconteceu no mesmo dia em que a caçulinha quase foi atropelada.
Aquele foi o verão da perda. Foi a primeira vez que as meninas perceberam que a morte não é um fato abstrato. Eu devia estar ao lado delas nesse momento, mas não estava. Estava longe, sonhando em conhecer Machu Pichu e outros lugares exóticos. Não ia voltar tão cedo. Minha aventura apenas começara. Mesmo com o coração partido, segui viagem.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
O CLIMA DO ANO
Há tempos venho notando que a natureza absorve nossos humores, mas isso é assunto pra outro post. Lembro que, em 2016, meu pé de amora fic...
-
Minha mãe costumava usar esse dito, para nosso espanto de criança, porque não atinávamos com o significado. Com o tempo fomos enten...
-
As meninas estavam excitadas. Íamos acampar em Prado, no sul da Bahia, e elas anteviam a diversão e a oportunidade de terem o pai e a mãe j...
-
Acordei pensando nas cigarras. Por onde elas têm andado? Pra mim, verão de verdade tem de ter coisas como o canto das cigarras, flamboyants ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário