Era o olhar do Jorge Amado, uns meses antes da morte do escritor. Eu o vi na Bienal do Livro, no Riocentro. Estava com a filha mais velha e tínhamos planejado passar o dia inteiro naquela espécie de banquete para os olhos. E havíamos nos fartado.
Acabamos chegando ao stand onde estava Jorge Amado e Zélia Gattai, e era um contraste vê-los juntos. Enquanto Zélia esbanjava vida, entusiasmo e deslumbramento, Jorge Amado parecia cansado, desanimado, entorpecido.
Num momento qualquer, nossos olhares se cruzaram. Talvez por distração, seu olhar se prendeu ao meu e durante não sei precisar quantos segundos pude notar o que ele mal conseguia disfarçar. Era um olhar de desalento, de quem tudo já viu e almeja apenas voltar para casa, descansar, espairecer, dormir, esquecer. Não era tristeza, mas saciedade. Um olhar de aborrecimento, descontentamento, desgosto, vazio, fastio. Um olhar de quem estava desiludido, enjoado, entojado, nauseado, entediado, agastado, fatigado, afadigado, enfadado, amofinado, irritado, desencantado, alquebrado, aplastado, apoquentado, desapontado, decepcionado.
Um olhar que me persegue, me assusta e não me deixa esquecer o quanto a vida é breve.
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