quinta-feira, 4 de novembro de 2010

POLITICAMENTE CORRETO É O CACETE!

O texto que reproduzo a seguir não é meu, mas ilustra perfeitamente o que penso a respeito do exagero em torno do que seja "politicamente corrento".  Dizia minha filha que, na Inglaterra, não se chama mais anão de dwarf, mas de "vertically challenged", e daí nada mais justo do que ela achar que gordo também pode ser chamado de "horizontally challenged".  O texto é leve e divertido, como, aliás, são todos os textos do professor de história Luiz Antonio Simas, cujo blog acabei de descobrir. 

O CRAVO NÃO BRIGOU COM A ROSA



Chegamos ao limite da insanidade da onda do politicamente correto. Soube dia desses que as crianças, nas creches e escolas, não cantam mais O cravo brigou com a rosa. A explicação da professora do filho de um camarada foi comovente: a briga entre o cravo - o homem - e a rosa - a mulher - estimula a violência entre os casais. Na nova letra "o cravo encontrou a rosa/ debaixo de uma sacada/o cravo ficou feliz /e a rosa ficou encantada".

Que diabos é isso? O próximo passo é enquadrar o cravo na Lei Maria da Penha. Será que esses doidos sabem que O cravo brigou com a rosa faz parte de uma suíte de 16 peças que Villa Lobos criou a partir de temas recolhidos no folclore brasileiro?

É Villa Lobos, cacete!

Outra música infantil que mudou de letra foi Samba Lelê. Na versão da minha infância o negócio era o seguinte: Samba Lelê tá doente/ Tá com a cabeça quebrada/ Samba Lelê precisava/ É de umas boas palmadas. A palmada na bunda está proibida. Incita a violência contra a menina Lelê. A tia do maternal agora ensina assim: Samba Lelê tá doente/ Com uma febre malvada/ Assim que a febre passar/ A Lelê vai estudar.

Se eu fosse a Lelê, com uma versão dessas, torcia pra febre não passar nunca. Os amigos sabem de quem é Samba Lelê? Villa Lobos de novo. Podiam até registrar a parceria. Ficaria assim: Samba Lelê, de Heitor Villa Lobos e Tia Nilda do Jardim Escola Criança Feliz.

Comunico também que não se pode mais atirar o pau no gato, já que a música desperta nas crianças o desejo de maltratar os bichinhos. Quem entra na roda dança, nos dias atuais, não pode mais ter sete namorados para se casar com um. Sete namorados é coisa de menina fácil. Ninguém mais é pobre ou rico de marré-de-si, para não despertar na garotada o sentido da desigualdade social entre os homens.

Dia desses alguém [não me lembro exatamente quem se saiu com essa e não procurei a referência no meu babalorixá virtual, Pai Google da Aruanda] foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado. Qual é o problema da frase? Ecologia, de fato, era vista como coisa de viado. Eu imagino se meu avô, com a alma de cangaceiro que possuía, soubesse, em mil novecentos e setenta e poucos, que algum filho estava militando na causa da preservação do mico leão dourado, em defesa das bromélias ou coisa que o valha. Bicha louca, diria o velho.

Vivemos tempos de não me toques que eu magôo. Quer dizer que ninguém mais pode usar a expressão coisa de viado ? Que me desculpem os paladinos da cartilha da correção, mas isso é uma tremenda babaquice. O politicamente correto é a sepultura do bom humor, da criatividade, da boa sacanagem. A expressão coisa de viado não é, nem a pau (sem duplo sentido), ofensa a bicha alguma.

Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo - vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso, a soldado do quinto batalhão de artilharia pesada, também conhecida como o rascunho do mapa do inferno - é apenas a dona de um padrão divergente dos preceitos estéticos da contemporaneidade. O gordo - outrora conhecido como rolha de poço, chupeta do Vesúvio, Orca, baleia assassina e bujão - é o cidadão que está fora do peso ideal. O magricela não pode ser chamado de morto de fome, pau de virar tripa e Olívia Palito. O careca não é mais o aeroporto de mosquito, tobogã de piolho e pouca telha.

Nas aulas sobre o barroco mineiro, não poderei mais citar o Aleijadinho. Direi o seguinte: o escultor Antônio Francisco Lisboa tinha necessidades especiais... Não dá. O politicamente correto também gera a morte do apelido, essa tradição fabulosa do Brasil.

O recente Estatuto do Torcedor quer, com os olhos gordos na Copa e 2014, disciplinar as manifestações das torcidas de futebol. Ao invés de mandar o juiz pra putaqueopariu e o centroavante pereba tomar no olho do cu, cantaremos nas arquibancadas o allegro da Nona Sinfonia de Beethoven, entremeado pelo coro de Jesus, alegria dos homens, do velho Bach.

Falei em velho Bach e me lembrei de outra. A velhice não existe mais. O sujeito cheio de pelancas, doente, acabado, o famoso pé na cova, aquele que dobrou o Cabo da Boa Esperança, o cliente do seguro funeral, o popular tá mais pra lá do que pra cá, já tem motivos para sorrir na beira da sepultura. A velhice agora é simplesmente a "melhor idade".

Se Deus quiser morreremos, todos, gozando da mais perfeita saúde. Defuntos? Não. Seremos os inquilinos do condomínio Cidade do pé junto.

2 comentários:

Montalvão disse...

Quando era criança, no tempo em que fui uma e hoje parece difícil de acreditar, eu cantava o “atirei o pau no gato”, sem qualquer remorso. Nunca, jamais, pensei em atirar pau em gato literalmente, embora tenha feito algumas maldadezinhas com animais, das quais hoje me lastimo; porém, não foram, de forma alguma estimuladas pela músiquinha.

Neste enfoque o desabafo do autor está corretíssimo e quem alega que tais letras estimulem a prática do mal está esgoeladamente enganado. Em geral, as pessoas sabem distinguir os limites do sugerido por uma canção e a prática no mundo objetivo. Quem se sente estimulado por coisas da espécie já traz consigo patologia, caso em que qualquer impulso será favorecedor da eclosão tarádica.

O problema com essas letras, a meu ver, é que elas são feias pra carácola (que é uma versão amenizada do velho caralho). Sou favorável que se mude a mensagem em virtude do estímulo ao mau-gosto. Desse modo, as professoras estão pregando a atitude certa com justificativas erradas. Villa Lobos foi o grande compositor nacional, aqui falando-se especificamente de notas e acordes; como letrista era medíocre.

Então, um dia, já grandinho, comecei a pensar no “atirei o pau”. Pô, acompanhemos: atirei o pau no gato, tô, tô/mas o gato, tô, tô, não morreu, reu, reu/ Dona Chica, cá, cá, dimirou-se, sê, sê, do berrô... etc. As únicas coisas que se aproveitam nessa letra são o tô, tô, reu, reu e cá, cá.

Por outro lado, o problema maior é que ninguém, mas ninguém mesmo, brinca de “roda”, o vídeogame matou tudo. Se restam remanescentes cantando velhas cantigas são exceções que só confirmam a realidade presente...

Vejamos questões mais específicas:

“Foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado.”

Aí a questão é de opinião. Creio que ecologia nunca foi “coisa de viado”, coisa de viado é dar e atividades correlatas. Dizer que algo que alguém faz é coisa de viado, pode ser mera galhofice ou ofensa, depende do contexto e do momento. Agora se o avô cangaceiro do autor era antiecológico, fazer o quê? Cancageiro não tomava banho e fedia mais que gambá depois de um futebolzinho; não construía nada e resolvia sua pendengas na faca ou no tiro. Realmente não tinha perfil para ser ecológico. Será que isso é que é ser macho?


“Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo – vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso(...)”

As expressões que o autor parece muito apreciar são demonstrações do mais tacanho preconceito. Quando se rotula alguém que não se enquadra no modelo de “coisa boa”, e normalmente com rotulagem ofensiva, por trás da atitude está uma idéia de superioridade. É como se o rotulador dissesse: eu, e aqueles que fazem parte de meu grupo, estamos em nível superior e podemos desqualificar os que não se adequam aos nossos padrões. Alguns dizem: Ah, é só brincadeira! Mas, não é só brincadeira, trata-se de destacar o que é considerado pobre, fraco, feio, e em cima desse destaque fazer troça. Pra quê dizer que mulher feia “nasceu pelo avesso”; que pessoa gorda é “rolha de poço”; que negro é “picolé de asfalto”? Só será válido se se pretende exibir o grau de pobreza mental do discursante, ou talvez seja isso o que efetivamente signifique coisa de viado.

Devo estar ficando velho, digo, chegando na melhor idade. Houve época em que me deliciava com essas “brincadeiras”. Hoje acho de uma vulgaridade sem tamanho. E para encerrar, já que o saudosista dos tempos do preconceito tanto se compraz em apelidagens, sugiro-lhe um: bobalhão, respeitosamente falando, naturalmente...

Moi.

Montalvão disse...

Quando era criança, no tempo em que fui uma e hoje parece difícil de acreditar, eu cantava o “atirei o pau no gato”, sem qualquer remorso. Nunca, jamais, pensei em atirar pau em gato literalmente, embora tenha feito algumas maldadezinhas com animais, das quais hoje me lastimo; porém, não foram, de forma alguma estimuladas pela músiquinha.

Neste enfoque o desabafo do autor está corretíssimo e quem alega que tais letras estimulem a prática do mal está esgoeladamente enganado. Em geral, as pessoas sabem distinguir os limites do sugerido por uma canção e a prática no mundo objetivo. Quem se sente estimulado por coisas da espécie já traz consigo patologia, caso em que qualquer impulso será favorecedor da eclosão tarádica.

O problema com essas letras, a meu ver, é que elas são feias pra carácola (que é uma versão amenizada do velho caralho). Sou favorável que se mude a mensagem em virtude do estímulo ao mau-gosto. Desse modo, as professoras estão pregando a atitude certa com justificativas erradas. Villa Lobos foi o grande compositor nacional, aqui falando-se especificamente de notas e acordes; como letrista era medíocre.

Vejamos questões mais específicas:

“Foi espinafrado porque disse que ecologia era, nos anos setenta, coisa de viado.”

Aí a questão é de opinião. Creio que ecologia nunca foi “coisa de viado”, coisa de viado é dar e atividades correlatas. Dizer que algo que alguém faz é coisa de viado, pode ser mera galhofice ou ofensa, depende do contexto e do momento. Agora se o avô cangaceiro do autor era antiecológico, fazer o quê? Cancageiro não tomava banho e fedia mais que gambá depois de um futebolzinho; não construía nada e resolvia sua pendengas na faca ou no tiro. Realmente não tinha perfil para ser ecológico. Será que isso é que é ser macho?


“Daqui a pouco só chamaremos o anão - o popular pintor de roda-pé ou leão de chácara de baile infantil - de deficiente vertical . O crioulo – vulgo picolé de asfalto ou bola sete (depende do peso) - só pode ser chamado de afrodescendente. O branquelo - o famoso branco azedo ou Omo total - é um cidadão caucasiano desprovido de pigmentação mais evidente. A mulher feia - aquela que nasceu pelo avesso(...)”

As expressões que o autor parece muito apreciar são demonstrações do mais tacanho preconceito. Quando se rotula alguém que não se enquadra no modelo de “coisa boa”, e normalmente com rotulagem ofensiva, por trás da atitude está uma idéia de superioridade. É como se o rotulador dissesse: eu, e aqueles que fazem parte de meu grupo, estamos em nível superior e podemos desqualificar os que não se adequam aos nossos padrões. Alguns dizem: Ah, é só brincadeira! Mas, não é só brincadeira, trata-se de destacar o que é considerado pobre, fraco, feio, e em cima desse destaque fazer troça. Pra quê dizer que mulher feia “nasceu pelo avesso”; que pessoa gorda é “rolha de poço”; que negro é “picolé de asfalto”? Só será válido se se pretende exibir o grau de pobreza mental do discursante, ou talvez seja isso o que efetivamente signifique coisa de viado.

Devo estar ficando velho, digo, chegando na melhor idade. Houve época em que me deliciava com essas “brincadeiras”. Hoje acho de uma vulgaridade sem tamanho. E para encerrar, já que o saudosista dos tempos do preconceito tanto se compraz em apelidagens, sugiro-lhe um: bobalhão, respeitosamente falando, naturalmente...

Moi.

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