sexta-feira, 11 de março de 2011

Nem só de pão vive o homem

Meio pão e um livro

Em setembro de 1931, o poeta espanhol Federico García Lorca fez o seguinte discurso de inauguração de uma biblioteca em Fuente de Vaqueros (Granada). Convido todos a ler essa pequena jóia.

"Quando alguém vai ao teatro, a um concerto ou uma festa de qualquer tipo que seja, se a festa é de seu agrado, lembra-se imediatamente e lamenta que as pessoas a quem ama não estejam presentes. 'Minha irmã e meu pai iam gostar disso', pensa, e não já não desfruta do espetáculo senão através de uma leve melancolia. Esta é a melancolia que sinto, não pelos meus, porque seria ruim e mesquinho, mas por todas as pessoas que, por falta de meios ou por desgraça não podem gozar do bem supremo da beleza que é vida e bondade, serenidade e paixão.

Por isso, não tenho nunca um livro, porque presenteio todos os que compro, que são infinitos, e por isso me sinto honrado e feliz de inaugurar esta biblioteca da cidade, a primeira seguramente de todo o município de Granada.

Nem só de pão vive o homem. Eu, se tivesse fome e estivesse abandonado na sarjeta não pediria um pão, mas meio pão e um livro. E denuncio aqui com veemência todos os que só falam de reivindicações econômicas, sem falar jamais das reivindicações culturais, que é o que o povo pede aos gritos. 

Está bem que todos as pessoas tenham o que comer, mas que também tenham o conhecimento. Que gozem de todos os frutos do espírito humano, porque o contrário é convertê-los em máquinas a serviço do Estado, é convertê-los em escravos de uma terrível organização social.Lastimo muito mais o homem que quer ter o saber e não pode do que um faminto. Porque um faminto pode matar sua fome facilmente com um pedaço de pão ou com algumas frutas, mas o homem que tem a ânsia do saber e não tem meios sofre uma terrível agonia, porque são livros, livros, muitos livros o que necessita e onde eles estão? 

Livros! Livros! Eis aqui uma palavra mágica que equivale dizer 'amor, amor', e que os povos deviam pedir como pedem o pão ou como quando anseiam pela chuva para suas plantações. Quando o insigne escrito russo Fiodor Dostoyevsky - muito mais pai da revolução russa do que Lenin -, estava preso na Sibéria, longe do mundo, entre quatro paredes e cercado por desoladas planícies de neve infinita, e pedia socorro por carta a sua distante família, dizia apenas: 'Enviem-me livros, livros, muitos livros para que minha alma não morra!'. Tinha frio e não pedia fogo, tinha uma sede terrível e não pedia água - pedia livros, ou seja, horizontes, ou seja, degraus para subir ao cume do espírito e do coração. Porque a agonia física, biológica, natural de um corpo que tem fome, sede ou frio dura pouco, muito pouco, mas a agonia da alma insatisfeita dura toda a vida. 

Já disse o grande Menéndez Pidal, um dos sábios mais verdadeiros da Europa, que o lema da República devia ser: 'Cultura'. Cultura porque só através dela se podem resolver os problemas em que hoje se debate o povo cheio de fé, mas carente de luz.

Nenhum comentário:

O CLIMA DO ANO

Há tempos venho notando que a natureza absorve nossos humores, mas isso é assunto pra outro post. Lembro que, em 2016, meu pé de amora fic...