quarta-feira, 31 de março de 2010

Outra vez no hospital - final

Zini me fez companhia e ficou comigo até a hora da cirurgia. Ainda no quarto, eu falava com a filha mais velha e ia acompanhando a saída dela até o aeroporto, a chegada, o check-in e o embarque para a Inglaterra. Ela ia embora e eu ficaria sozinha, aguardando o momento em que seria operada. Desabei. Chorei muito. Tinha medo de morrer.

A operação correu bem. Eles removeram um tumor extenso que se havia instalado na coxa direita, quase no quadril. Esse tumor foi provocado pela perigosíssima bacteria Staphilococus Aureus, frequentadora das UTIs e responsável por muitas mortes em hospitais. Acho que a contraí no Miguel Couto, mas tive a sorte abençoada de tê-la concentrada apenas no abscesso, não atingindo a corrente sanguínea. O resultado é que fiquei onze dias hospitalizada, tomando remédios fortíssimos por via intravenosa.

Ao fim dos onze dias, recebi alta. Estava livre, enfim. Saí caminhando, ainda com alguma dificuldade e na saída quis passar na capela para agradecer ao bom Deus pela recuperação. Ao tentar subir os degraus, que estavam molhados, dei de cara com o Zeca Pagodinho que estendia as duas mãos para me amparar. Fiquei tão atônita que não entendi direito o gesto tão generoso. Subi sozinha os degraus me apoiando no corrimão. Ele também não entendeu. Baixou as mãos e foi embora. A filha mais velha, quando lhe contei o fato, me disse com seu bom humor habitual: “Você o inspirou a compor um pagode intitulado “Coroa Ingrata”.

terça-feira, 30 de março de 2010

Outra vez no hospital - parte 1

No domingo, um dia antes da partida da filha mais velha, meu sobrinho veio se despedir dela, trazendo minha querida sobrinha, mulher dele, que é médica, e as duas lindas meninas, filhas deles. Minha sobrinha ficou muito preocupada ao saber do que acontecera com a perna e insistiu que eu fosse ao ortopedista urgentemente.

Telefonei para o ortopedista naquele dia mesmo contando o que se passara e ele me “intimou” a ir na segunda-feira ao consultório dele. Fui com a Zini, pensando que se tratava de algo banal. Ao ver o que era, o médico ficou apavorado, brigou comigo pela minha displicência e me mandou para o raios X. Eu ia ser operada de emergência naquela noite mesmo e não ia poder desfrutar dos últimos momentos com minha filha e meu neto. Fiquei arrasada.

De tarde, a filha mais velha veio me visitar no quarto, onde eu aguardava os procedimentos para a cirurgia. Ela trouxe meu neto e meu genro para se despedirem de mim. Nosso encontro foi muito emocionante. Minha querida filha chorou muito e eu tive de buscar dentro de mim uma força extraordinária para não chorar também. Sabia que a situação estava preta, receava pela minha vida, mas aquele não era o momento de fraquejar. Eu ia lutar de novo para sobreviver.

segunda-feira, 29 de março de 2010

"Morte em Veneza" - final


Os americanos deviam estar loucos naquele distante 1972. Deram a “Operação França” (The French Connection) o prêmio máximo da Academia e nem equer se dignaram a dar pelo menos o prêmio de melhor figurino à obra de Visconti.

E as loucuras continuaram. “Laranja Mecânica” (Orange Clockwork), do mestre Stanley Kubrick, também voltou para casa de mãos vazias. Não ganhou nenhum prêmio a que concorreu: filme, direção, roteiro adaptado e montagem.

Já os ingleses conferiram a “Morte em Veneza” os prêmios de melhor direção de arte (Ferdinando Scafiotti), fotografia (Pasqualino De Santis), figurino (Piero Tosi) e trilha sonora (Vittorio Trentino e Giuseppe Muratori), mas falharam em não dar o BAFTA de melhor injustiçado ator inglês Dick Bogarde, e de diretor ao gênio Luchino Visconti (ambos homossexuais) e, sobretudo, o prêmio de melhor filme a que a obra fazia jus.

Confira os principais prêmios e indicações da obra:

Oscar 1972 (EUA)
• Indicado na categoria de melhor figurino.

BAFTA 1972 (Reino Unido)
• Venceu nas categorias de melhor direção de arte, melhor fotografia, melhor figurino e melhor trilha sonora.
• Indicado nas categorias de melhor ator (Dirk Bogarde), melhor direção e melhor filme.

Prêmio Bodil 1972 (Dinamarca)
• Venceu na categoria de melhor filme europeu.

Festival de Cannes 1971 (França)
• Recebeu o prêmio do 25º aniversário do festival.
• Indicado à Palma de Ouro na categoria de melhor filme.

Prêmio David di Donatello 1971 (Itália)
• Venceu na categoria de melhor diretor.

domingo, 28 de março de 2010

"Morte em Veneza" - parte 8


Na agonia da morte, ele ainda lembra um diálogo com Alfred, ocorrido imediatamente após o fracasso de sua última obra, e que teria agravado seus problemas cardíacos. Esse último diálogo ajuda-nos a compreender afinal o que morre em Veneza.



Alfred: Seu trapaceiro, seu vigarista!


Aschenbach: O que mais eles querem de mim?


Alfred: Pura beleza. Severidade absoluta.
Pureza da forma.
Perfeição. A abstração dos sentidos! Tudo se foi! Nada restou! Nada! A sua música nasceu morta e você está desmascarado.

Aschenbach: Alfred, mande-os embora. Por favor, faça com que saiam.


Alfred: Mandá-los embora?! Vou entregá-lo a eles!


Aschenbach: Não, Alfred, por favor. Não faça isso, por favor.
Não, por favor. Não...


Alfred: A eles! Eles vão julgá-lo. E eles vão
condená-lo.


Aschenbach: Não, Alfred, não.


Alfred: Sabedoria. Verdade. Dignidade humana. Está tudo acabado. Agora, não há mais razão para que você não vá para o túmulo, levando sua música. Você alcançou o perfeito equilíbrio. O homem e o artista são um só. Chegaram
juntos ao fundo do poço. Você nunca possuiu castidade. A castidade é o dom da pureza e não o doloroso resultado da velhice. E você está velho, Gustav. E, em todo o mundo,
não há impureza mais impura do que a velhice.

sábado, 27 de março de 2010

"Morte em Veneza" - parte 7



Como todo ser que se apaixona e almeja a reciprocidade, Aschenbach vai à barbearia e lá é facilmente convencido a usar artifícios que lhe darão uma aparência mais jovem. Na saída, o barbeiro lhe diz: “Agora o senhor está pronto para se apaixonar.”


Ele sai confiante, enquanto Veneza agoniza. A decrepitude e a morte lhe parecem distantes. Seu olhar não se detém nas medidas desesperadas das autoridades para conter o avanço da epidemia de cólera e ele parece alheio ao perigo que ronda as ruas da cidade.

Veja a cena:
http://www.youtube.com/watch?v=uYBoo-wWJJA&NR=1

De volta ao hotel, encaminha-se para a praia. Faz calor e ele se abriga do sol para olhar Tadzio furtivamente, em brincadeira infantil com um colega. Enquanto Aschenbach o observa ao longe, a tinta que fora usada para tingir seus cabelos escorre-lhe pela face e a maquiagem derrete. Aschenbach vai aos poucos adquirindo uma aparência grotesca, semelhante à do palhaço que havia escarnecido do seu sofrimento. Ao longe, onde o mar quase se confunde com a linha do horizonte, surge a figura de Tadzio, como um anjo, enquanto Aschenbach morre lentamente.

sexta-feira, 26 de março de 2010

"Morte em Veneza" - parte 6


Desconfiado dos boatos sobre a epidemia que rondam Veneza, Aschenbach busca a verdade nos jornais e não a encontra. Enfim, decide deixar a cidade, o que é também sua tentativa de escapar ao efeito que a beleza de Tadzio tem sobre ele, mas a bagagem é desviada, o que o obriga a permanecer em Veneza e testemunhar a chegada da epidemia de cólera asiática. E Aschenbach esboça um sorriso agradecido à sorte que intercedeu em seu favor. Ele permanecerá em Veneza e não mais fugirá. Aceitará seu destino e tentará enganar a morte.

Numa noite festiva, o palhaço líder do grupo musical que entretém os hóspedes do hotel canta uma música bufa, cujo estribilho cômico parece escarnecer dos conflitos sentimentais de Aschenbach. O bufão apela para gestos e contorcionismos corporais grotescos, quase obscenos, enquanto sua gargalhada contamina a audiência. Visconti dá vida a esse coro extraído do livro de Mann e que surge para anunciar a tragédia que se avizinha.

Veja a cena :
http://www.youtube.com/watch?v=W-hSFDIHvKs&feature=related

quinta-feira, 25 de março de 2010

"Morte em Veneza" - parte 5


Alfred é personagem criado por Visconti – ele não está presente no romance homônimo de Thomas Mann. Esse fato vem justamente desmentir a qualificação homossexual atribuída à obra. O livro, talvez seja gay; o filme, não. Visconti criou o diálogo filosófico entre Aschenbach e Alfred, para dar outra dimensão e profundidade ao romance. Ouso dizer que o filme “Morte em Veneza” é superior ao romance de Thomas Mann, e só mesmo um cineasta do quilate de Visconti conseguiria tal proeza.

De volta ao quarto, Aschenbach segue lembrando a conversa com Alfred.

Alfred: Seu grande equívoco, meu caro amigo, é considerar a vida, a
realidade, como uma limitação.

Aschenbach: E ela não é exatamente isso?
A realidade apenas nos distrai e
degrada. Sabe, às vezes eu penso que os
artistas se parecem mais com caçadores que atiram no escuro. Não sabem qual é o seu alvo, nem tampouco se o atingiram.
Mas não se pode esperar que a vida ilumine o alvo e estabilize a sua mira. A criação da beleza e da pureza é um ato espiritual.
Alfred: Não, Gustav. Não! A beleza pertence aos
sentidos. Somente aos sentidos!
Aschenbach: Você não tem como alcançar o espírito... Você não tem como alcançar o espírito através dos sentidos. É somente através do absoluto controle dos sentidos que se pode, algum dia, alcançar sabedoria, verdade e dignidade humana.
Alfred: Sabedoria? Dignidade humana? Para que servem? O gênio é uma dádiva divina. Não! Uma punição divina. Uma chama breve e pecaminosa de dons naturais.
Aschenbach: Eu rejeito, eu rejeito as virtudes demoníacas da arte!
Alfred: E você está errado! O mal é uma necessidade, é o próprio alimento do gênio.

Para quem goste de filosofia e queira ouvir o diálogo integralmente:
http://www.youtube.com/watch?v=uacolGxksR0

O CLIMA DO ANO

Há tempos venho notando que a natureza absorve nossos humores, mas isso é assunto pra outro post. Lembro que, em 2016, meu pé de amora fic...