quarta-feira, 18 de maio de 2011

A nova cartilha do MEC

A nova cartilha do MEC tem provocado muita polêmica, especialmente entre os que condenam o que eles chamam de o uso "errado" da linguagem, como o professor Sérgio Nogueira, em depoimento ao Bom Dia Brasil desta semana.


Embora não conheça a fundo a nova cartilha, simpatizei com ela de cara, por duas razões. A primeira  é que sempre achei a língua chamada "culta" desagregadora e preconceituosa, porque impõe uma gramática normativa, sem levar em conta as diferenças regionais e sociais. A segunda razão é que sempre achei os linguistas muito acovardados e lentos diante de fatos linguisticos novos. Por ser um instrumento dinâmico e em constante mutação, concordo que fica difícil analisar todas as variantes linguísticas, mas quem escreve se surpreende e fica em dúvida sobre como se expressar. Não é todo país que tem a brilhante ideia de lançar o Urban Dictionary, que vive atualizando a linguagem.O texto abaixo não é meu, mas reflete meu ponto de vista. Do autor, sei apenas que se chama Robson Luis e é professor e tradutor.

A quem não pertence à área, deve, de fato, parecer uma impropriedade institucionalizar o ensino do erro – e aí já começa o equívoco. Toda essa discussão é pautada no território da Sociolinguística, disciplina que estuda a língua a partir de suas diversas variáveis (estrato social, lugar geográfico, poder econômico etc.). Para a Sociolinguística, portanto, não há certo ou errado, há apropriado e inapropriado.

De acordo com vários teóricos que eu não vou citar para não alongar a resposta, nossas ações sociais são possíveis apenas com e na língua. É a língua que possibilita nossa vivência em sociedade. Assim, compreende-se que a escola tem um papel fundamental: habilitar o estudante a utilizar a língua em diferentes contextos a fim de empoderá-lo (aqui, uso o conceito de empoderamento como um "fazer com") para a ação social.

Cabe aqui lembrar que a língua é um fator político de estruturação (isso sempre me faz lembrar de um versinho de Pessoa em que ele declara haver três línguas imperiais - o português, o inglês e o francês). A língua garante, até certo ponto, a unidade. As fronteiras não são apenas demográficas, são também linguísticas.

O ensino gramatical durante todo o período escolar é sofrível. E aqui me sinto à vontade para falar de ambos os pontos de vista – enquanto aluno e professor. Sempre tive uma enorme dificuldade para compreender porque eu aprendia uma série de regras que, na minha realidade, não se aplicavam. Meus alunos também – e não acredito que eu ou qualquer pessoa possa culpá-los. Eu chego na budega/vendinha/mercadinho (escolha a opção utilizada em sua região – olha só um caso de variação linguística!) do seu Zé para comprar um lápis e digo: "Seu Zé, me dê um lápis, por favor." Como, ó céus, se todos estudamos à exaustão que não se deve começar frases com pronomes oblíquos? Por que sabemos que, no Brasil, falamos assim (em Inglês também, recomendo a leitura de "O jeito que a gente diz", de Stella Tagnin, em que ela discute vários conceitos e as expressões de convencionalidade, por exemplo.). Aí o aluno fica confuso, porque ele aprende algo na escola que, em casa, com amigos, na vida `real', ele não utiliza e, sabiamente, ignora.

Este é o problema: o aluno perde a noção de que a língua varia e passa a utilizar a mesma variante (a não-padrão) em todas as situações. É importante desfazer outro equívoco, quando falamos de instrução gramatical, falamos da Norma Padrão, a variante linguística que me garante a compreensão entre os falantes letrados em Língua Portuguesa, do Oiapoque ao Chuí. A Norma Culta é o uso que os falantes "cultos" (seja lá o que isso signifique) fazem da língua. Como a classe social dominante, política e economicamente, essa variante é a que possui maior prestígio social, sendo, por vezes, confundida com a Norma Padrão. Às muitas outras normas existentes, chamamos Não-Padrão em oposição direta àquela convencionalizada e instituída como oficial.

Diferentes ações sociais requerem diferentes registros, que requerem diferentes usos da linguagem. Mais um exemplo: Não é comum, por ocasião de um velório, alguém parabenizar a viúva. Na ação social "velório", portanto, a língua não seleciona "Meus parabéns!" e sim, "Meus pêsames/sentimentos". Se alguém, no entanto, não tiver recebido esta instrução, será alvo de preconceito, o Preconceito Linguístico (quem desejar compreender melhor, Marcos Bagno, o autor deste conceito, tem um livrinho muito esclarecedor, com o mesmo nome, publicado pela Editora Loyola). O fato de o preconceito ser gerado a partir da língua não quer dizer, de modo algum, que ele seja menos nocivo ou ferino. Pelo contrário, Rajagopalan (2010) diz que nossos preconceitos mais enraizados manifestam-se justamente através da língua.

A Gramática Normativa, Tradicional, e, portanto, Prescritiva, não prevê este tipo de ensino. Lembro que havia uma pergunta logo no início deste tópico a respeito de onde iriamos para o Brasil e a Educação. Bem, eu, sinceramente, não sei e não posso falar das demais ciências, mas, no tocante ao ensino de língua, do jeito que está não dá para ficar.

Para os mais inflamados, tudo isso aí em cima, já foi institucionalizado nos PCNs, de 1998 e de 2002. É fruto de anos de pesquisas muito sérias e compromissadas com a qualidade do ensino e pensadas para melhorar a vida dos nossos alunos e cidadãos. Infelizmente, como quase tudo neste país, as leis não são cumpridas. E, na qualidade de professor, encontro resistência a essa abordagem entre os próprios professores, pois é mais cômodo continuar ensinando pelo modelo conhecido (quantos de vocês ainda lembram as conjugações de "amar", "vender" e "partir", em todos os tempos e modos verbais? Mas a finada Tia Rosinha lhe fazia arguições e, ai de você, se não soubesse, não passava de ano!).

Não compreendo o Pasquale, pois, em uma palestra há não muito tempo, ele mesmo disse que "a língua é como um guarda-roupa, você escolhe diferentes roupas para diferentes ocasiões". Bom, o texto que segue é um extrato do PCN+, a respeito da competência gramatical, para comprovar que tudo o que foi dito está em documentos oficiais há muito tempo.

Esta foi uma tentativa rasteira de desmistificar alguns conceitos relacionados a essa polêmica. A Sociolinguística é uma ciência estabelecida, séria e compromissada. O acima exposto é fruto de pesquisas e mais pesquisas subsidiadas por uma única realidade: formamos alunos incompetentes não apenas para produzir ou compreender textos, formamos cidadãos incompetentes. Não sei se a Educação é capaz, sozinha, de salvar o Mundo, mas, sem ela, ninguém se salva.

"Eu sou eu e minha circunstância, se não salvo a ela, não salvo a mim." (ORTEGA Y GASSET)

3 comentários:

Eder José disse...

Òtimo post. PArabéns!

Aurora Boreal disse...

Muito obrigada, mas o texto, com exceção do que está em itálico, não é meu. Concordo com você que é de muita clareza.

Anônimo disse...

éé issaee, con pt, nois vai pru Buracuu...

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