quinta-feira, 28 de outubro de 2010
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
Os crimes de lavagem da honra: A onda de assassinatos que envergonha o mundo - continuação
Até março de 2008, os juízes jordanianos ainda tratavam os crimes em nome da "honra" com tolerância. Naquele mês, o Tribunal Penal jordaniano condenou dois homens pelo assassinato de parentes do sexo feminino "durante um ataque de fúria" a apenas três e seis meses de reclusão. No primeiro caso, o marido encontrara um homem em sua casa com a esposa e suspeitou que ela o estava traindo. No segundo, um homem matou a tiros a irmã de 29 anos por ela ter saído de casa sem o consentimento do marido e "por estar conversando com outros homens no celular".
Em 2009, um jordaniano confessou ter esfaqueado até a morte a irmã grávida, por ela ter voltado para a casa da família após discussão com o marido. O irmão achou que ela estava "saindo com outros homens".
E por aí vai.
Em Aman, no ano passado, três homens esfaqueararam 15 vezes a irmã divorciada de 40 anos por ela ter um amante. Um jordaniano foi acusado de matar a irmã de 22 anos com uma espada por uma gravidez fora do casamento. Muitas famílias que vivem na Jordânia são de origem palestina. Nove meses atrás, um palestino esfaqueou a irmã casada até a morte por causa do seu "mau comportamento". Mas no mês passado, o tribunal penal de Amã condenou outro irmão assassino a 10 anos de prisão, indeferindo a alegação de crime em nome da "honra", mas apenas porque não houve testemunhas para confirmar o adultério da irmã.
Na própria Palestina, a Human Rights Watch vem há muito culpando a polícia e o sistema judiciário pelo fracasso quase total em proteger as mulheres de Gaza e da Cisjordânia dos "crimes de honra". Tomemos como exemplo, o caso da menina de 17 anos estrangulada pelo irmão mais velho, em 2005, por ficar grávida do próprio pai. Este presenciou seu assassinato. Ela havia prestado queixa contra o pai à polícia. Ele não foi preso e nem interrogado.
No mesmo ano, homens armados e mascarados do Hamas mataram a tiros Yusra Azzami, de 20 anos, por "comportamento imoral", por ela ter passado o dia passeando com o noivo. Azzami era membro do Hamas e o futuro marido, membro do Fatah. O Hamas tentou desculpar-se, chamando a moça assassinada de "mártir", para indignação da família. No entanto, apenas no ano passado, muito tempo depois de o Hamas vencer as eleições palestinas e controlar a Faixa de Gaza, um homem da região foi detido por matar a filha com uma corrente de ferro, ao descobrir que ela possuía um celular e temer que estivesse falando com homens fora do círculo familiar. Ele foi solto depois.
Mesmo no Líbano liberal existem "crimes de honra" ocasionais. O mais notório deles é o de uma mulher de 31 anos, Mona Kaham, cujo pai entrou no seu quarto e cortou-lhe a garganta, depois de saber que ela estava grávida do primo. Ele foi até a delegacia de polícia em Roueiss, subúrbio de Beirute, com a faca ainda na mão. "Minha consciência está tranquila", declarou. "Matei para limpar minha honra."
Não causa surpresa uma pesquisa de opinião pública que mostra que 90,7 por cento da população libanesa seja contra os crimes de “honra”. Dos poucos que os aprovam, muitos acreditam que eles ajudam a limitar o casamento inter-religioso.
A Síria segue o padrão do Líbano. Enquanto grupos de direitos civis exigem o endurecimento das leis contra os assassinos de mulheres, a legislação apenas elevou a pena de prisão para os homens que matam parentes do sexo feminino por sexo extraconjugal para dois anos.
Entre os casos mais recentes está o de Lubna, uma jovem de 17 anos que vivia em Homs, assassinada pela família por ter fugido para a casa da irmã, depois de se recusar a casar com um homem escolhido pelos pais. Eles também acreditavam - erroneamente - que ela não era mais virgem.
Em 2009, um jordaniano confessou ter esfaqueado até a morte a irmã grávida, por ela ter voltado para a casa da família após discussão com o marido. O irmão achou que ela estava "saindo com outros homens".
E por aí vai.
Em Aman, no ano passado, três homens esfaqueararam 15 vezes a irmã divorciada de 40 anos por ela ter um amante. Um jordaniano foi acusado de matar a irmã de 22 anos com uma espada por uma gravidez fora do casamento. Muitas famílias que vivem na Jordânia são de origem palestina. Nove meses atrás, um palestino esfaqueou a irmã casada até a morte por causa do seu "mau comportamento". Mas no mês passado, o tribunal penal de Amã condenou outro irmão assassino a 10 anos de prisão, indeferindo a alegação de crime em nome da "honra", mas apenas porque não houve testemunhas para confirmar o adultério da irmã.
Na própria Palestina, a Human Rights Watch vem há muito culpando a polícia e o sistema judiciário pelo fracasso quase total em proteger as mulheres de Gaza e da Cisjordânia dos "crimes de honra". Tomemos como exemplo, o caso da menina de 17 anos estrangulada pelo irmão mais velho, em 2005, por ficar grávida do próprio pai. Este presenciou seu assassinato. Ela havia prestado queixa contra o pai à polícia. Ele não foi preso e nem interrogado.
No mesmo ano, homens armados e mascarados do Hamas mataram a tiros Yusra Azzami, de 20 anos, por "comportamento imoral", por ela ter passado o dia passeando com o noivo. Azzami era membro do Hamas e o futuro marido, membro do Fatah. O Hamas tentou desculpar-se, chamando a moça assassinada de "mártir", para indignação da família. No entanto, apenas no ano passado, muito tempo depois de o Hamas vencer as eleições palestinas e controlar a Faixa de Gaza, um homem da região foi detido por matar a filha com uma corrente de ferro, ao descobrir que ela possuía um celular e temer que estivesse falando com homens fora do círculo familiar. Ele foi solto depois.
Mesmo no Líbano liberal existem "crimes de honra" ocasionais. O mais notório deles é o de uma mulher de 31 anos, Mona Kaham, cujo pai entrou no seu quarto e cortou-lhe a garganta, depois de saber que ela estava grávida do primo. Ele foi até a delegacia de polícia em Roueiss, subúrbio de Beirute, com a faca ainda na mão. "Minha consciência está tranquila", declarou. "Matei para limpar minha honra."
Não causa surpresa uma pesquisa de opinião pública que mostra que 90,7 por cento da população libanesa seja contra os crimes de “honra”. Dos poucos que os aprovam, muitos acreditam que eles ajudam a limitar o casamento inter-religioso.
A Síria segue o padrão do Líbano. Enquanto grupos de direitos civis exigem o endurecimento das leis contra os assassinos de mulheres, a legislação apenas elevou a pena de prisão para os homens que matam parentes do sexo feminino por sexo extraconjugal para dois anos.
Entre os casos mais recentes está o de Lubna, uma jovem de 17 anos que vivia em Homs, assassinada pela família por ter fugido para a casa da irmã, depois de se recusar a casar com um homem escolhido pelos pais. Eles também acreditavam - erroneamente - que ela não era mais virgem.
terça-feira, 5 de outubro de 2010
Os crimes de lavagem da honra: A onda de assassinatos que envergonha o mundo - continuação
O ativista curdo-britânico Aso Kamal, da Rede Contra a Violência Doaa, acredita que, entre 1991 e 2007, 12.500 mulheres foram assassinadas por razões de "honra", apenas nas três províncias curdas do Iraque - 350 delas nos primeiros sete meses de 2007 e apenas três foram condenados por esses crimes.
Muitas mulheres são forçadas por suas famílias a se suicidarem, queimando-se com óleo de cozinha. No hospital de Sulimaniya, em 2007, cirurgiões operaram muitas mulheres com queimaduras graves, que nunca poderiam ter sido causadas por "acidentes" culinários, como alegaram. Uma paciente, Sirwa Hassan, tinha 86% do corpo queimado. Hassan tinha três filhos e morava em uma aldeia perto da fronteira iraniana.
Em 2008, um médico em Sulimaniya disse à agência de notícias AFP que, apenas em maio, 14 mulheres jovens foram assassinados por crimes de "honra" em 10 dias. Em 2000, autoridades curdas no Sulimaniya decretaram que "matar ou cometer abusos contra mulheres sob o pretexto de livrar-se da ‘vergonha’ não podia ser usado como atenuante para o crime". Os juízes, segundo as autoridades, não podem aplicar uma lei de 1969 "para reduzir a pena do agressor". A nova lei, é claro, não fez diferença.
Mas no Iraque, como já dissemos, não é só os curdos que acreditam em "crimes de honra". Em Tikrit, uma jovem detida na prisão local enviou uma carta ao irmão, em 2008, dizendo-lhe ter ficado grávida após ser estuprada por um guarda. O irmão foi autorizado a visitar a prisão, entrou na cela onde estava a irmã, então visivelmente grávida, e assassinou-a para poupar sua família da "desonra". O necrotério de Bagdá recolheu amostras de DNA do feto da mulher e também de guardas do presídio de Tikrit. O estuprador era um tenente-coronel da polícia. O motivo para a detenção da mulher não foi esclarecido. Um relatório dizia que a família do coronel tinha "pagado" aos parentes da mulher para escapar das punições.
Em Basra, em 2008, a polícia registrava os assassinatos de 15 mulheres, por mês, por violação "dos códigos de vestimenta islâmicos". Uma menina de 17 anos, Rand Abdel-Qader, foi espancada até a morte por seu pai, há dois anos, porque se apaixonou por um soldado britânico. Outra, Shawbo Ali Rauf, 19, foi levada pela família para um piquenique no Dokan e baleada sete vezes, por terem encontrado um número desconhecido no celular dela.
Em Nínive, Du'a Khalil Aswad tinha 17 anos quando foi apedrejada até a morte por uma multidão de 2.000 homens por ter-se apaixonado por um homem fora de sua tribo.
Na Jordânia, organizações feministas dizem que, per capita, a minoria cristã do país de pouco mais de cinco milhões de pessoas está envolvida em mais "crimes de honra" que os muçulmanos - muitas vezes porque as mulheres cristãs querem casar-se com homens muçulmanos. Mas a comunidade cristã reluta em discutir os seus crimes e a maioria dos casos conhecidos de homicídios são cometidos por muçulmanos. Suas histórias, porém, são exaustiva e doentiamente familiares.
Em 1999, Sirhan gabava-se da eficiência com que matou sua irmã mais nova, Suzanne. Três dias depois de a jovem de 16 anos ter denunciado à polícia o estupro de que foi vítima, Sirhan deu-lhe quatro tiros na cabeça. "Ela cometeu um erro, mesmo que contra a vontade", disse. "De qualquer modo, é melhor ter um morto do que toda uma família morta de vergonha." Desde então, um espetáculo profundamente angustiante de crimes de "honra" tornado público na Jordânia, foi condenado pela família real e tem sido lentamente combatido pelos tribunais com sanções penais cada vez mais duras.
Ainda em 2001, um jordaniano de 22 anos estrangulou sua irmã casada de 17 - o 12º. assassinato desse tipo em sete meses - por suspeitar que ela teria um caso. O marido morava na Arábia Saudita. Em 2002, Souad Mahmoud estrangulou a própria irmã, pela mesma razão. Ela tinha sido forçada a casar com o amante, mas quando a família descobriu que estava grávida antes do casamento, decidiram executá-la.
Em 2005, três jordanianos esfaquearam a irmã casada de 22 anos, por ela ter um amante. Após testemunharem um homem entrar na casa dela, os irmãos invadiram o local e a mataram. Mas nada aconteceu ao amante.
Muitas mulheres são forçadas por suas famílias a se suicidarem, queimando-se com óleo de cozinha. No hospital de Sulimaniya, em 2007, cirurgiões operaram muitas mulheres com queimaduras graves, que nunca poderiam ter sido causadas por "acidentes" culinários, como alegaram. Uma paciente, Sirwa Hassan, tinha 86% do corpo queimado. Hassan tinha três filhos e morava em uma aldeia perto da fronteira iraniana.
Em 2008, um médico em Sulimaniya disse à agência de notícias AFP que, apenas em maio, 14 mulheres jovens foram assassinados por crimes de "honra" em 10 dias. Em 2000, autoridades curdas no Sulimaniya decretaram que "matar ou cometer abusos contra mulheres sob o pretexto de livrar-se da ‘vergonha’ não podia ser usado como atenuante para o crime". Os juízes, segundo as autoridades, não podem aplicar uma lei de 1969 "para reduzir a pena do agressor". A nova lei, é claro, não fez diferença.
Mas no Iraque, como já dissemos, não é só os curdos que acreditam em "crimes de honra". Em Tikrit, uma jovem detida na prisão local enviou uma carta ao irmão, em 2008, dizendo-lhe ter ficado grávida após ser estuprada por um guarda. O irmão foi autorizado a visitar a prisão, entrou na cela onde estava a irmã, então visivelmente grávida, e assassinou-a para poupar sua família da "desonra". O necrotério de Bagdá recolheu amostras de DNA do feto da mulher e também de guardas do presídio de Tikrit. O estuprador era um tenente-coronel da polícia. O motivo para a detenção da mulher não foi esclarecido. Um relatório dizia que a família do coronel tinha "pagado" aos parentes da mulher para escapar das punições.
Em Basra, em 2008, a polícia registrava os assassinatos de 15 mulheres, por mês, por violação "dos códigos de vestimenta islâmicos". Uma menina de 17 anos, Rand Abdel-Qader, foi espancada até a morte por seu pai, há dois anos, porque se apaixonou por um soldado britânico. Outra, Shawbo Ali Rauf, 19, foi levada pela família para um piquenique no Dokan e baleada sete vezes, por terem encontrado um número desconhecido no celular dela.
Em Nínive, Du'a Khalil Aswad tinha 17 anos quando foi apedrejada até a morte por uma multidão de 2.000 homens por ter-se apaixonado por um homem fora de sua tribo.
Na Jordânia, organizações feministas dizem que, per capita, a minoria cristã do país de pouco mais de cinco milhões de pessoas está envolvida em mais "crimes de honra" que os muçulmanos - muitas vezes porque as mulheres cristãs querem casar-se com homens muçulmanos. Mas a comunidade cristã reluta em discutir os seus crimes e a maioria dos casos conhecidos de homicídios são cometidos por muçulmanos. Suas histórias, porém, são exaustiva e doentiamente familiares.
Em 1999, Sirhan gabava-se da eficiência com que matou sua irmã mais nova, Suzanne. Três dias depois de a jovem de 16 anos ter denunciado à polícia o estupro de que foi vítima, Sirhan deu-lhe quatro tiros na cabeça. "Ela cometeu um erro, mesmo que contra a vontade", disse. "De qualquer modo, é melhor ter um morto do que toda uma família morta de vergonha." Desde então, um espetáculo profundamente angustiante de crimes de "honra" tornado público na Jordânia, foi condenado pela família real e tem sido lentamente combatido pelos tribunais com sanções penais cada vez mais duras.
Ainda em 2001, um jordaniano de 22 anos estrangulou sua irmã casada de 17 - o 12º. assassinato desse tipo em sete meses - por suspeitar que ela teria um caso. O marido morava na Arábia Saudita. Em 2002, Souad Mahmoud estrangulou a própria irmã, pela mesma razão. Ela tinha sido forçada a casar com o amante, mas quando a família descobriu que estava grávida antes do casamento, decidiram executá-la.
Em 2005, três jordanianos esfaquearam a irmã casada de 22 anos, por ela ter um amante. Após testemunharem um homem entrar na casa dela, os irmãos invadiram o local e a mataram. Mas nada aconteceu ao amante.
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
Os crimes de lavagem da honra: A onda de assassinatos que envergonha o mundo - continuação
Em 2006, autoridades da região curda do sudeste da Anatólia calculavam que, em cada poucas semanas, uma mulher tentava cometer suicídio por imposição da família. Outras eram mortas por apedrejamento, tiros, enterradas vivas ou estranguladas.
Uma jovem de 17 anos chamada Derya, que se apaixonou por um rapaz na escola, recebeu mensagem de texto de seu tio pelo celular. A mensagem dizia: "Você envergonhou nosso nome. Mate-se e limpe essa vergonha ou nós mesmos vamos matá-la." A tia de Derya havia sido morta pelo avô por motivo idêntico. Seus irmãos também enviaram mensagens de texto, chegando a 15 delas por dia. Derya tentou cumprir o desejo da família. Pulou no rio Tigre, tentou enforcar-se e cortou os pulsos – todas as tentativas foram mal-sucedidas. Acabou fugindo para um abrigo de mulheres.
Levou 13 anos para Murat Kara, de 40 anos, admitir que, em 2007, disparou sete tiros em sua irmã mais nova, depois que sua mãe viúva e os tios ordenaram que a matasse por ela ter fugido com o namorado. Antes de assassinar a irmã na cidade curda de Dyabakir, os vizinhos recusavam-se a conversar com Murat Kara e o imã havia dito que estava desobedecendo a palavra de Deus por não matar a irmã. Tornou-se, então, um assassino. Restaurou a honra.
Em seu livro “In The Grip of Tribal Customs” (Reféns de Costumes Tribais), um jornalista turco, Mehmet Farac, registra mortes em nome da “honra” de cinco meninas, na década de 1990, na província de Sanliurfa. Duas delas - uma tinha apenas 12 anos - tiveram as gargantas cortadas em praças públicas, duas outras foram atropeladas por tratores e a quinta, morta por seu irmão mais novo. Uma das mulheres que tiveram a garganta cortada chamava-se Sevda Gok. Seus irmãos seguraram-lhe os braços enquanto o primo adolescente cortava-lhe a garganta.
Mas a matança de mulheres em nome da "honra" não é um crime exclusivamente curdo, ainda que praticado em áreas rurais do país. Em 2001, Sait Kina esfaqueou a filha de 13 anos até a morte, por ter conversado com meninos na rua. Ele atacou-a no banheiro com um machado e uma faca de cozinha. Quando a polícia descobriu o cadáver, a cabeça da menina estava tão mutilada que a família a tinha enrolado em um lenço. Sait Kina disse à polícia: "Cumpri o meu dever."
No mesmo ano, um juiz de Istambul reduziu a sentença de prisão perpétua contra três irmãos para entre quatro a 12 anos, por eles terem matado a irmã, lançando-a de uma ponte, sob a acusação de ser prostituta. O juiz concluiu que o comportamento da moça tinha "provocado" o assassinato.
Há séculos, os exames de virgindade têm sido considerados parte normal da tradição rural, antes do casamento de uma mulher. Em 1998, quando cinco jovens tentaram o suicídio antes da avaliação, o ministro dos Negócios Familiares turco defendeu a obrigatoriedade de exames médicos em meninas que vivem em lares adotivos.
Uma jovem de 17 anos chamada Derya, que se apaixonou por um rapaz na escola, recebeu mensagem de texto de seu tio pelo celular. A mensagem dizia: "Você envergonhou nosso nome. Mate-se e limpe essa vergonha ou nós mesmos vamos matá-la." A tia de Derya havia sido morta pelo avô por motivo idêntico. Seus irmãos também enviaram mensagens de texto, chegando a 15 delas por dia. Derya tentou cumprir o desejo da família. Pulou no rio Tigre, tentou enforcar-se e cortou os pulsos – todas as tentativas foram mal-sucedidas. Acabou fugindo para um abrigo de mulheres.
Levou 13 anos para Murat Kara, de 40 anos, admitir que, em 2007, disparou sete tiros em sua irmã mais nova, depois que sua mãe viúva e os tios ordenaram que a matasse por ela ter fugido com o namorado. Antes de assassinar a irmã na cidade curda de Dyabakir, os vizinhos recusavam-se a conversar com Murat Kara e o imã havia dito que estava desobedecendo a palavra de Deus por não matar a irmã. Tornou-se, então, um assassino. Restaurou a honra.
Em seu livro “In The Grip of Tribal Customs” (Reféns de Costumes Tribais), um jornalista turco, Mehmet Farac, registra mortes em nome da “honra” de cinco meninas, na década de 1990, na província de Sanliurfa. Duas delas - uma tinha apenas 12 anos - tiveram as gargantas cortadas em praças públicas, duas outras foram atropeladas por tratores e a quinta, morta por seu irmão mais novo. Uma das mulheres que tiveram a garganta cortada chamava-se Sevda Gok. Seus irmãos seguraram-lhe os braços enquanto o primo adolescente cortava-lhe a garganta.
Mas a matança de mulheres em nome da "honra" não é um crime exclusivamente curdo, ainda que praticado em áreas rurais do país. Em 2001, Sait Kina esfaqueou a filha de 13 anos até a morte, por ter conversado com meninos na rua. Ele atacou-a no banheiro com um machado e uma faca de cozinha. Quando a polícia descobriu o cadáver, a cabeça da menina estava tão mutilada que a família a tinha enrolado em um lenço. Sait Kina disse à polícia: "Cumpri o meu dever."
No mesmo ano, um juiz de Istambul reduziu a sentença de prisão perpétua contra três irmãos para entre quatro a 12 anos, por eles terem matado a irmã, lançando-a de uma ponte, sob a acusação de ser prostituta. O juiz concluiu que o comportamento da moça tinha "provocado" o assassinato.
Há séculos, os exames de virgindade têm sido considerados parte normal da tradição rural, antes do casamento de uma mulher. Em 1998, quando cinco jovens tentaram o suicídio antes da avaliação, o ministro dos Negócios Familiares turco defendeu a obrigatoriedade de exames médicos em meninas que vivem em lares adotivos.
sexta-feira, 17 de setembro de 2010
Os crimes de lavagem da honra: A onda de assassinatos que envergonha o mundo - continuação
Um dos mais terríveis assassinatos em 1999 foi o de uma jovem de 16 anos com retardo, Lal Jamilla Mandokhel, que, segundo relatos, foi violada por um funcionário público em Parachinar, província a noroeste da fronteira do Paquistão. Seu tio registrou queixa na polícia, mas entregou Lal à tribo e os anciãos decidiram que ela deveria ser morta para preservar a honra "tribal". Lal foi morta a tiros na frente deles.
Arbab Khatoon foi estuprada por três homens no distrito de Jacobabad. Ela registrou queixa na polícia. Sete horas depois, foi assassinada pelos parentes, que alegaram que ela os "desonrou" ao ter relatado o crime.
Há mais de 10 anos, a Comissão do Paquistão para os Direitos Humanos registrava uma taxa de mil "assassinatos em nome da honra" por ano. Mas se o Paquistão parece ter as piores taxas de crimes de "honra" - e é preciso lembrar que muitos países afirmam falsamente não ter nenhum – a Turquia deve ocupar o segundo lugar.
Segundo a polícia, entre 2000 e 2006, 480 mulheres – 20% delas com idades entre 19 e 25 anos - foram mortas por crimes de "honra" e inimizades. Outra estatística turca, elaborada há mais de cinco anos por grupos de mulheres, sugere que pelo menos 200 meninas e mulheres são assassinadas todos os anos em nome da "honra". Esses números estão atualmente muito subestimados. Muitos aconteceram em áreas curdas do país; uma sondagem concluiu que 37% dos cidadãos de Diyabakir aprovam o assassinato de mulheres que tenham relações extraconjugais. Medine Mehmi, a menina que foi enterrada viva, vivia na cidade curda de Kahta.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Os crimes de lavagem da honra: A onda de assassinatos que envergonha o mundo - continuação
Zakir Hussain Shah cortou a garganta de sua filha Sabiha, 18, em Bara Kau, em junho de 2002, porque ela havia "desonrado" a família. Mas sob a notória lei paquistanesa qisas, o herdeiro tem poderes para perdoar o assassino. Por essa razão, a mãe e o irmão de Sabiha "perdoaram" o pai e ele foi libertado.
Quando um homem matou suas quatro irmãs, em Mardan, no mesmo ano, porque elas queriam uma parte da herança, a mãe o "perdoou", com base na mesma lei. Em Sarghoda, mais ou menos nessa época, um homem disparou contra as mulheres de sua família, matando duas de suas filhas. Mais uma vez, a esposa - e várias outras filhas feridas por ele - "perdoaram" o assassino, porque eram suas herdeiras.
Outro absurdo: o estupro é também usado como punição nos de crimes de lavagem da "honra". Na aldeia de Meerwala, no Punjab, em 2002, um "júri" tribal alegou que um menino de 11 anos da tribo Gujar, Abdul Shakoor, tinha como babá uma mulher de 30 anos da tribo Mastoi - uma "desonra" para este grupo tribal. Os anciãos tribais decidiram que, para "devolver" a honra ao grupo, a irmã do menino, de 18 anos, Mukhtaran Bibi, devia ser estuprada por vários homens. O pai, avisado de que todas as mulheres da família também seriam estupradas se Mukhtar não fosse entregue a eles, levou a filha, respeitosamente, para esse "júri" profano. Quatro homens, um dos quais do "júri", imediatamente arrastaram a moça para uma cabana e a estupraram, enquanto cerca de uma centena de homens riam e aplaudiam do lado de fora. Ela foi então obrigada a andar nua pela aldeia na volta para casa. Levou uma semana até a polícia registrar o crime como uma "reclamação".
Ataques com ácido também fazem parte das punições criminosas em nome da "honra". O Independent deu ampla cobertura, em 2001, a um homem chamado Bilal Karachi Khar, que jogou ácido no rosto de sua mulher Fakhra Yunus, depois que ela o deixou e voltou para a casa da mãe, na área de prostituição da cidade. O ácido fundiu-lhe os lábios, queimou o cabelo, derreteu os seios e uma orelha e transformou-lhe o rosto em uma "borracha derretida".
Naquele mesmo ano, uma mulher de 20 anos, chamada Hafiza, foi alvejada a tiros duas vezes por seu irmão, Asadullah, em frente a uma dúzia de policiais fora de um tribunal de Quetta, por ter-se recusado a seguir a tradição de se casar com o irmão mais velho do marido falecido. Ela casou-se com outro homem, Fayyaz Lua, mas a polícia prendeu a moça e a levou de volta para sua família em Quetta, sob o pretexto de que o casal poderia casar-se formalmente lá. Mas ela foi forçada a registrar queixa de que Fayaz a havia sequestrado e estuprado. Quando Hafiza dirigiu-se ao juiz para queixar-se de que sua declaração fora feita sob pressão e que ela continuava a considerar Fayaz como seu marido, o irmão Asadullah a matou. Ele entregou a arma a um policial que havia presenciado o assassinato.
Quando um homem matou suas quatro irmãs, em Mardan, no mesmo ano, porque elas queriam uma parte da herança, a mãe o "perdoou", com base na mesma lei. Em Sarghoda, mais ou menos nessa época, um homem disparou contra as mulheres de sua família, matando duas de suas filhas. Mais uma vez, a esposa - e várias outras filhas feridas por ele - "perdoaram" o assassino, porque eram suas herdeiras.
Outro absurdo: o estupro é também usado como punição nos de crimes de lavagem da "honra". Na aldeia de Meerwala, no Punjab, em 2002, um "júri" tribal alegou que um menino de 11 anos da tribo Gujar, Abdul Shakoor, tinha como babá uma mulher de 30 anos da tribo Mastoi - uma "desonra" para este grupo tribal. Os anciãos tribais decidiram que, para "devolver" a honra ao grupo, a irmã do menino, de 18 anos, Mukhtaran Bibi, devia ser estuprada por vários homens. O pai, avisado de que todas as mulheres da família também seriam estupradas se Mukhtar não fosse entregue a eles, levou a filha, respeitosamente, para esse "júri" profano. Quatro homens, um dos quais do "júri", imediatamente arrastaram a moça para uma cabana e a estupraram, enquanto cerca de uma centena de homens riam e aplaudiam do lado de fora. Ela foi então obrigada a andar nua pela aldeia na volta para casa. Levou uma semana até a polícia registrar o crime como uma "reclamação".
Ataques com ácido também fazem parte das punições criminosas em nome da "honra". O Independent deu ampla cobertura, em 2001, a um homem chamado Bilal Karachi Khar, que jogou ácido no rosto de sua mulher Fakhra Yunus, depois que ela o deixou e voltou para a casa da mãe, na área de prostituição da cidade. O ácido fundiu-lhe os lábios, queimou o cabelo, derreteu os seios e uma orelha e transformou-lhe o rosto em uma "borracha derretida".
Naquele mesmo ano, uma mulher de 20 anos, chamada Hafiza, foi alvejada a tiros duas vezes por seu irmão, Asadullah, em frente a uma dúzia de policiais fora de um tribunal de Quetta, por ter-se recusado a seguir a tradição de se casar com o irmão mais velho do marido falecido. Ela casou-se com outro homem, Fayyaz Lua, mas a polícia prendeu a moça e a levou de volta para sua família em Quetta, sob o pretexto de que o casal poderia casar-se formalmente lá. Mas ela foi forçada a registrar queixa de que Fayaz a havia sequestrado e estuprado. Quando Hafiza dirigiu-se ao juiz para queixar-se de que sua declaração fora feita sob pressão e que ela continuava a considerar Fayaz como seu marido, o irmão Asadullah a matou. Ele entregou a arma a um policial que havia presenciado o assassinato.
Continue lendo no próximo post.
domingo, 12 de setembro de 2010
Os crimes de lavagem da honra: A onda de assassinatos que envergonha o mundo - continuação
Ou Aisha Ibrahim Duhulow, 13, que na Somália, em 2008, na frente de mil pessoas, foi arrastada para um buraco no chão - o tempo todo gritando, "Eu não vou - não me mate" – e depois enterrada até o pescoço e apedrejada por 50 homens, culpada de adultério? Passados 10 minutos, tiraram-na do buraco e, estando ela ainda vida, puseram-na de volta e continuaram o apedrejamento. O crime de Aisha? Ela fora estuprada por três homens e, fatalmente, a família decidiu relatar os fatos ao grupo paramilitar Al-Shabab, que controla Kismayo.
Ou o "juiz" islâmico Al-Shabab, no mesmo país, que anunciou em 2009 o apedrejamento e morte de uma mulher - o segundo deste tipo no mesmo ano - por ela ter um amante? O homem recebeu meras 100 chibatadas.
Ou a jovem encontrada em uma vala de esgoto próximo a Daharki, no Paquistão, morta por sua família em nome da "honra" porque deu à luz o segundo filho, tendo o nariz, orelhas e lábios decepados antes de morrer, seu primeiro filho morto entre suas roupas e o corpo do recém-nascido ainda em seu ventre, com a cabeça de fora? Estava em estado de decomposição e a polícia local foi chamada para enterrá-la. Mulheres levaram os três ao túmulo, mas um clérigo muçulmano recusou-se a rezar por ela porque era "irreligioso" cumprir o ritual fúnebre namaz-e-janaza para uma "mulher maldita e seus filhos ilegítimos".
São tão terríveis os detalhes desses "crimes de honra" e tantas são as mulheres assassinadas, que a história de cada uma pode transformar o horror em banalidade. Mas para que esses atos - e os nomes das vítimas, quando pudermos descobri-los – não sejam esquecidos, relatamos os sofrimentos de algumas mulheres nos últimos dez anos, selecionadas ao acaso, país por país, crime por crime.
Em março passado, Munawar Gul matou a tiros a irmã de 20 anos, Saanga, no noroeste de uma província fronteira do Paquistão, e o homem suspeito de ter "relações ilícitas" com ela, Aslam Khan.
Em agosto de 2008, cinco mulheres foram enterradas vivas em nome dos "crimes de honra", no Baluchistão, por homens armados de uma tribo; três delas - Hameeda, Raheema e Fauzia - eram adolescentes que, depois de serem espancadas e mortas a tiro, foram jogadas vivas em uma vala e depois cobertas com pedras e terra. Quando duas mulheres mais velhas, de 45 e 38 anos, protestaram, sofreram o mesmo destino. As três mulheres jovens tinham tentado escolher seus próprios maridos.
No parlamento paquistanês, o senador Israrullah Zehri refere-se a esses assassinatos como uma "tradição secular" que ele "continuará a defender".
Em dezembro de 2003, uma mulher de 23 anos, em Multan, identificada apenas como Afsheen, foi assassinada por seu pai porque, depois de um casamento arranjado infeliz, ela fugiu com um homem chamado Hassan, pertencente a uma tribo rival. Afsheen vinha de família educada, composta de funcionários públicos, engenheiros e advogados. "Dei-lhe comprimidos para dormir em uma xícara de chá e depois a estrangulei com uma dapatta [uma longa echarpe, parte da vestimenta tradicional feminina], confessou o pai. Ele disse à polícia: "A honra é a única coisa que um homem tem. Posso ainda ouvir os gritos dela, era minha filha preferida. Quero destruir minhas mãos e acabar com a minha vida." A família havia encontrado Afsheen com Hassan em Rawalpindi e prometera não fazer-lhe nenhum mal se ela voltasse para casa. Estavam mentindo.
Ou o "juiz" islâmico Al-Shabab, no mesmo país, que anunciou em 2009 o apedrejamento e morte de uma mulher - o segundo deste tipo no mesmo ano - por ela ter um amante? O homem recebeu meras 100 chibatadas.
Ou a jovem encontrada em uma vala de esgoto próximo a Daharki, no Paquistão, morta por sua família em nome da "honra" porque deu à luz o segundo filho, tendo o nariz, orelhas e lábios decepados antes de morrer, seu primeiro filho morto entre suas roupas e o corpo do recém-nascido ainda em seu ventre, com a cabeça de fora? Estava em estado de decomposição e a polícia local foi chamada para enterrá-la. Mulheres levaram os três ao túmulo, mas um clérigo muçulmano recusou-se a rezar por ela porque era "irreligioso" cumprir o ritual fúnebre namaz-e-janaza para uma "mulher maldita e seus filhos ilegítimos".
São tão terríveis os detalhes desses "crimes de honra" e tantas são as mulheres assassinadas, que a história de cada uma pode transformar o horror em banalidade. Mas para que esses atos - e os nomes das vítimas, quando pudermos descobri-los – não sejam esquecidos, relatamos os sofrimentos de algumas mulheres nos últimos dez anos, selecionadas ao acaso, país por país, crime por crime.
Em março passado, Munawar Gul matou a tiros a irmã de 20 anos, Saanga, no noroeste de uma província fronteira do Paquistão, e o homem suspeito de ter "relações ilícitas" com ela, Aslam Khan.
Em agosto de 2008, cinco mulheres foram enterradas vivas em nome dos "crimes de honra", no Baluchistão, por homens armados de uma tribo; três delas - Hameeda, Raheema e Fauzia - eram adolescentes que, depois de serem espancadas e mortas a tiro, foram jogadas vivas em uma vala e depois cobertas com pedras e terra. Quando duas mulheres mais velhas, de 45 e 38 anos, protestaram, sofreram o mesmo destino. As três mulheres jovens tinham tentado escolher seus próprios maridos.
No parlamento paquistanês, o senador Israrullah Zehri refere-se a esses assassinatos como uma "tradição secular" que ele "continuará a defender".
Em dezembro de 2003, uma mulher de 23 anos, em Multan, identificada apenas como Afsheen, foi assassinada por seu pai porque, depois de um casamento arranjado infeliz, ela fugiu com um homem chamado Hassan, pertencente a uma tribo rival. Afsheen vinha de família educada, composta de funcionários públicos, engenheiros e advogados. "Dei-lhe comprimidos para dormir em uma xícara de chá e depois a estrangulei com uma dapatta [uma longa echarpe, parte da vestimenta tradicional feminina], confessou o pai. Ele disse à polícia: "A honra é a única coisa que um homem tem. Posso ainda ouvir os gritos dela, era minha filha preferida. Quero destruir minhas mãos e acabar com a minha vida." A família havia encontrado Afsheen com Hassan em Rawalpindi e prometera não fazer-lhe nenhum mal se ela voltasse para casa. Estavam mentindo.
Continue lendo no próximo post
Assinar:
Postagens (Atom)
O CLIMA DO ANO
Há tempos venho notando que a natureza absorve nossos humores, mas isso é assunto pra outro post. Lembro que, em 2016, meu pé de amora fic...
-
Minha mãe costumava usar esse dito, para nosso espanto de criança, porque não atinávamos com o significado. Com o tempo fomos enten...
-
Acordei pensando nas cigarras. Por onde elas têm andado? Pra mim, verão de verdade tem de ter coisas como o canto das cigarras, flamboyants ...
-
As meninas estavam excitadas. Íamos acampar em Prado, no sul da Bahia, e elas anteviam a diversão e a oportunidade de terem o pai e a mãe j...