sexta-feira, 11 de junho de 2010

Intermezzo


Uma conversa que tive com minha sobrinha fez disparar alguns sentimentos que eu vinha tentando esconder, a duras penas.  Tininha foi a primeira a chegar ao hospital e foi a ela que fiz algumas perguntas, quando conversamos na semana passada.  E ela esclareceu alguns pontos obscuros do acidente, pois me viu ainda na maca e inventariou meus ferimentos.  Era muito grave, e ela me disse; "Tia, se quiser dar susto em alguém, volte ao Miguel Couto e visite a equipe médica que atendeu a senhora."

Algumas pessoas acham que a gente deve simplesmente passar uma borracha no malfeito e seguir adiante.  Não consigo pensar assim, embora me esforce.  Acho que talvez as coisas devam ficar bem esclarecidas e, só depois disso, a gente pode dar o assunto por encerrado e não pensar mais nele - se possível.  Não sei se chegarei a esse ponto.

Não há um dia sequer em minha vida, desde que tudo aconteceu, que as imagens do acidente não me venham à lembrança.  Eu revivo cada momento, para horror meu.  Bem que eu gostaria de esquecer, mas ainda não é possível.  A conversa que tive com Tininha talvez me ajude a virar essa triste página, ou pelo menos acelere o processo.  Graças a essa conversa, entendo agora os acidentes geográficos do meu corpo.

Mas ainda não consigo entender como tudo aconteceu.  Tenho apenas as sensações de me sentir empurrada, de mãos que se estendiam para me agarrar, de uma luz que me atraía e de estar batendo com os braços para me livrar de um rodamoinho.  Essas sensações permanecem e eu não sei se são fruto da minha imaginação ou se elas realmente aconteceram. 

Eu acharia mais normal se, naquele fatídico dia, uma nave espacial descesse na rua Muniz Barreto e um alienígena me levasse embora.  Como aceitar uma fatalidade dessas?  Como aceitar algumas limitações do meu corpo antes tão elástico, firme e flexível?  Como aceitar essa sensação de medo a cada vez que saio à rua?  Como esquecer se as lembranças estão bem à minha frente, cada vez que caminho pelas redondezas?

As pessoas vivem despreocupadas, sem se darem conta de que a morte é muito mais presente do que imaginam.  Ela pode estar em cada esquina, em cada pequeno movimento, em cada pequeno descuido ou nos surpreender, mesmo quando estamos alertas.  E as pessoas dão tanta importância a coisas pequenas, superficiais, materiais, irrelevantes, sem atentarem para o fato de que esses objetos, essas coisas ficarão, enquanto elas fecham os olhos para sempre. 

Para sempre... dormir para sempre e não despertar mais... (To die, to sleep, no more; to sleep, perchance to dream, ay there's the rub, for in that sleep of death what dreams may come when we have shuffled off this mortal coil...) Naquele dia, quando os bombeiros médicos me socorreram e avaliaram a extensão dos meus ferimentos, eles me puseram para dormir.  Pensaram, talvez, que eu não ia despertar, mas eu despertei um dia.  Estou viva, com a graça de Deus.  Só me falta esquecer esse episódio e rezo a Deus todos os dias para conseguir.

Esquecer não vai me fazer feliz, mas vai trazer alívio.  Acho que algumas dores físicas ainda são resultantes das dores da alma.  Deus acalmai minhas dores e dai-me paz.  Amém.

Um comentário:

Iara De Dupont disse...

Gostei do teu blog ! Se puder passa lá em casa, http://sindromemm.blogspot.com

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