terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Baila comigo

Era verão como agora. Fazia um calor abafado, sufocante e o asfalto derretia sob os pés,também como agora. Saí do banco e andei depressa até o meu carro. “Droga! Quem estacionou atrás de mim?” Voltei ao banco irritada e o guarda apontou o dedo para um rapaz que estava na fila. Ao me aproximar, eu o reconheci. Era Ítalo, meu grande amor dos tempos do ginásio. Continuava bonito. Não era alto, mas era esbelto e tinha um perfil romano dessas estátuas que a gente vê ilustradas em livros de história. A última vez que o vira devia ter uns 14 anos. Eu já tinha casado, separado e era mãe de três meninas. Ele também ficou surpreso ao me ver e me contou o que havia feito durante aqueles anos.

Tinha se casado também, estava separado e tinha filhos. Não posso negar que gostei da coincidência. Durante anos ele fora piloto comercial. Estava pilotando um avião de pequeno porte, certa vez, quando caiu numa floresta. O impacto da queda provocou-lhe uma doença cardíaca e nunca mais pode pilotar. Desolado, não via mais nenhum sentido na vida. A enfermidade do coração podia matá-lo a qualquer momento e sentia-se como se uma espada estivesse pronta para decepar-lhe a cabeça. Andava deprimido. É impressionante como uma trágica história de vida pode se desenrolar durante um tempo de espera na fila de um banco.

Convidei-o para ir à minha casa. Conversamos muito, rimos, brincamos um com o outro, lembramos do tempo da escola, das nossas músicas preferidas, e eu confessei que era secretamente apaixonada por ele. Ele disse que nunca notou nada. Mas naquela noite me olhava com outros olhos. Botei a Rita Lee pra tocar e dançamos “Se Deus quiser, ainda acabo voando”. A noite terminou e ele foi pra casa levando meu telefone. Ia ligar, com certeza. Ainda nos veríamos muitas vezes. Nunca mais soube dele. “Se Deus quiser, ainda morro bem velho”.

Muito tempo se passou. Não sei precisar quanto. Sempre fui ruim em matéria de avaliar a passagem do tempo. Um dia, conversando com minha irmã - uma pessoa que conhece todo mundo no planeta -, ela me disse de repente: “Eu te falei da morte do Ítalo, não falei?” Levei um susto. Não, ela nunca me dissera nada. “Mas faz tanto tempo... Não sei como fui me esquecer de te contar”.

Ele morreu naquela mesma noite, ao chegar em casa.

Copie e cole o link abaixo para relembrar a música:
http://www.paixaoeromance.com/80decada/baila/h_baila.htm

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