sábado, 20 de fevereiro de 2010

O Purgatório - parte 1

A unidade semi-intensiva era, sem dúvida, muito melhor do que o box da UTI, mas os médicos plantonistas eram os mesmos. E eles permaneceram insensíveis diante das minhas dores que a cada dia se tornavam mais fortes. Diziam que não podiam aumentar a dose do remédio, que o excesso poderia prejudicar minha saúde. Eu não acreditava. Eles eram maus, e era assim que eu os via.

As dores eram mais fortes à noite e, por isso, eu raramente dormia. Tinha os dois braços engessados e não podia chamar a enfermagem. Acabei desenvolvendo fobias. Fui tomada por uma espécie de pânico incontrolável. Não suportava ficar só. Implorei para que minha filha ficasse ao meu lado, mas ela não tinha como me atender. A solução foi procurar enfermeiras.

Foi a técnica de enfermagem que chamávamos de Didi quem trouxe as duas moças que cuidariam de mim. Didi era a que melhor me atendia e eu sabia que quando ela estava de plantão nada de mau poderia me acontecer.

As moças moravam muito longe, enfrentavam longas horas dentro de ônibus sujos, guiados por motoristas enbrutecidos e cansados, que dirigiam enlouquecidos pelo calor e o trânsito infernal. Arriscavam suas vidas diariamente. Acordavam muito cedo, com o céu ainda escuro, mas nenhum obstáculo as impedia de chegar ao trabalho. Nunca atrasavam e estavam sempre, milagrosamente, de bom humor. Eram verdadeiros anjos que não saíam do meu lado e me contavam suas histórias de luta e coragem. Ensinavam-me a superar as agruras do cotidiano. E eu me sentia como Shariar, ouvindo as histórias de Sherazade.

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