sábado, 6 de fevereiro de 2010

Enquanto eu dormia - parte 1

Algumas vezes abria os olhos e via sempre homens de branco perto de mim. Ao perceberem que estava acordada, eles me botavam pra dormir de novo. Outras vezes, ruídos fortes de passos no corredor me despertavam e eu via moças de uniforme azul-marinho caminhando. Eram as enfermeiras. Uma delas me chamava atenção e eu pensava como poderia fazê-la chegar até a mim. Parecia uma pessoa bondosa e confiável. Antes de iniciar o plantão, ela reunia todas as outras enfermeiras e rezavam em voz alta. Eu as acompanhava em pensamento, como fiz quando o saudoso Guido e a caçulinha fizeram uma prece pela minha recuperação.

Um dia, ao abrir os olhos, ela estava bem perto de mim. Um milagre. Cuidava de ferimentos que eu nem sequer imaginava que tinha. Doía muito. A moça percebia a minha dor e dizia que era para o meu bem, que ela precisava remover a pele morta. Não conseguindo gritar, comecei a bater com o braço engessado no ferro da cama. Ela segurou o meu braço e pediu que parasse, dizia mansamente que aquele gesto podia prejudicar a minha recuperação. Tentei me comunicar com os olhos. Tentei falar do meu horror, da minha dor, do desespero. Ela não me entendia. Fazia perguntas irrelevantes, que nada tinham a ver com o que eu queria dizer. Frustrada, voltei a bater com o braço engessado e ela perguntou de novo o que eu queria dizer. Queria que ela soubesse que os homens de branco conspiravam contra mim, que eram maus e queriam me matar. Queria lhe contar que numa ocasião acordei tossindo muito forte. Fui salva por outro homem de branco, talvez um médico, que entrou no meu box e perguntou aquele que estava ao meu lado por que uma válvula, da qual nunca vou lembrar o nome, estava desligada. Este não soube responder e o homem de branco chamou-lhe a atenção, ficou bravo. Quando a moça de uniforme chegou bem perto de mim, olhei-a nos olhos e tentei transmitir todo o meu pavor, a minha angústia. Ela foi embora, não disse nada, mas a partir daquele momento senti que me acompanhava de perto, que tinha se tornado meu anjo da guarda. Sempre que estava de plantão e via os homens de branco entrarem no meu box, ela os seguia. Um dia, quando eles acabaram de fazer mais uma maldade comigo, ouvi-a dizer com voz que mal conseguia disfarçar a irritação: “vocês só vão sossegar quando ela morrer, não é?” Graças a essa moça, sobrevivi.

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