domingo, 7 de fevereiro de 2010

Enquanto eu dormia - final

Abro uma exceção (hoje deveria ser o final de "O verão do adeus a Bia") para postar o final desta história. Hoje, precisamente, faz um ano que aconteceu o acidente e ainda tenho medo...
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Um homem, que me pareceu médico, entrou no meu box e disse que no dia seguinte pela manhã, se eu estivesse acordada (falou “acordada” com ironia, marcando bem a palavra, insinuando que eu era madame e dormia até tarde), ele iria me levar para a radiografia. Não entendi por que era importante que eu estivesse acordada. Era um homem de baixa estatura, magro e um pouco curvado. Irritadiço, falava como se cuspisse marimbondos. Se tudo saísse bem, segundo ele, eu poderia ser transferida para a Unidade Semi-Intensiva (USI). A notícia me animou. Era a chance de sair daquele inferno. Ouvi o homem de branco que estava ao meu lado cochichar com o outro, mas não consegui entender o que diziam. Tudo o que sei é que no dia seguinte pela manhã o médico veio me buscar e eu ainda dormia.

Continuei dormindo nas manhãs subsequentes, até que resolvi reagir. Não deixei o homem de branco se aproximar de mim. Quando ele entrou no box, fiz alarde, batendo com o braço engessado na cama. Ele tentou me acalmar. Bati mais forte ainda. Outras pessoas de branco entraram e eu continuei a bater com o braço engessado, até que, constrangido, ele foi embora. Permaneci acordada o dia inteiro e não deixei ninguém se aproximar. Foi a minha sorte. Um homem que eu não conhecia anunciou, na porta do box, que ia fazer uns testes comigo para saber se eu tinha condições de ficar sem o tubo. “Tubo? Eu estava entubada? Era por isso que não conseguia falar?” Ele me deu todas as informações e iniciou o teste. Enquanto o ouvia, dizia a mim mesma “calma, você vai passar, vai conseguir, calma”. Consegui ir até o fim. Na hora de fazer as contas (parece que o sistema envolvia números), o homem do teste pediu ajuda ao homem de branco. Meu coração parou e tive muito medo. Passado alguns instantes, o homem de branco informou o resultado. Passei no teste, e me parece que com louvor – o número final tinha excedido aquele necessário para a aprovação. Ele ia tirar o tubo. “Meu Deus, eu Vos agradeço a graça alcançada!” Fazia muitos anos que eu não rezava. Enquanto tirava o tubo, o homem me dizia que eu só deveria falar no dia seguinte e me explicou por quê, mas eu não o escutava. “Não importa, posso esperar até amanhã. Obrigada, meu Deus”. Chorei de alegria - ia poder falar, gritar, denunciar, fazer tudo o que uma voz permite fazer e que não nos damos conta no nosso dia-a-dia. Como é bom ter voz! Aquela simples operação me devolvia a liberdade.

Um comentário:

Ariana disse...

Olá Janete,
Eu imagino que não foi nada fácil todo tempo que você passou na UTI. Na verdade, acho que posso imaginar um pouco, mas deve ter sido uma experiência realmente muito difícil e traumatizante.Mas ,graças à Deus, você conseguiu resistir à tudo e sobreviver à tudo. É praticamente um milagre Janete, acho que você tem consciência disso ...
Muitos beijos e parabéns pelo seu blog tão interessante

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