quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A noite longa e escura

Abri os olhos e vi um homem risonho que me chamava pelo nome e dizia coisas que eu não conseguia entender. Lembro apenas que não gostava dele. Tinha a cara redonda, a cabeça achatada no alto e o cabelo liso e escuro dos paraenses. As bochechas exibiam sinais persistentes de acne. Tive medo desse homem, não sei porquê. Achei-o falso e dissimulado. Nas vezes seguintes que abri os olhos, ele estava lá, com o mesmo sorriso forçado. Aproximava-se de mim e me dava alguma coisa que me fazia adormecer, até que um dia me tiraram daquele lugar. Hoje sei que era o hospital Miguel Couto. Saí de lá no quarto dia, pela manhã.

Fui levada para uma conhecida e bem conceituada casa de saúde. Não foi fácil a transferência, porque eu tinha sofrido politraumatismo. Cheguei à casa de saúde em estado grave, indo diretamente para a UTI, onde permaneci em coma induzido. Poucos dias depois, passei por uma grande cirurgia. As expectativas não eram muito otimistas, mas reagi bem e agüentei as várias horas da intervenção. Pelas minhas contas, fui operada exatamente no dia do aniversário do meu falecido pai. Gosto de pensar que ele esteve ao meu lado, ajudando-me a superar o momento crucial da minha vida.

Depois da cirurgia, passei por alguns dos piores momentos de que tenho lembrança. Continuava na UTI e, nas poucas vezes que abria os olhos, queria me mexer, sair dali, falar, mas algo me impedia. Nos raros e breves momentos em que estava acordada, me dedicava a pensar numa estratégia para fugir daquele lugar, onde as pessoas não me tratavam bem. Sentia que minha vida estava em risco e tinha medo, muito medo. Homens de branco cochichavam, diziam coisas como “não deixa ela ficar acordada”, “não esqueça de dar o remédio pra ela dormir”. Um dia, dois desses homens de branco se aproximaram de mim e ficaram debochando, rindo da minha cara, diziam coisas horríveis a meu respeito que não devo e não quero repetir. Pegaram um pente e prenderam meu cabelo no alto da cabeça. E caíram na gargalhada. Um deles, de cabeça raspada, se aproximou de mim e perguntou: “e agora, o que faço com você?” Segurava um pano e ameaçava me sufocar, enquanto o outro se divertia com a cena. Achei que ia morrer. Talvez satisfeito com o horror que percebeu em meu olhar, o homem de cabeça raspada chegou bem perto do mim e disse: “quando você se recuperar, vamos tomar uma água de coco na praia, tá?” Durante bom tempo duvidei de que essa cena tivesse realmente acontecido. Inúmeras vezes questionei minha sanidade. Com o tempo e com a minha determinação em saber a verdade, acabei chegando a algumas conclusões, e me aproximei dos fatos.

Um comentário:

Unknown disse...

Amiga,

Tenho certeza que essa prática vai fazer um enorme bem pra vc...continue escrevendo e exorcisando os males que te assombram.
Te amo!
Bjs

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